segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - A Esperança é uma Ilusão


Pandora, de Jules Joseph Lefebvre

Segundo o historiador Hesíodo (por muitos considerado o primeiro machista da história), os gregos acreditavam que no início do mundo as mulheres não existiam. Os homens levavam uma vida de abundância e despreocupação, passando incontáveis anos nessa bem-aventurança, sem conhecerem a dor, a doença, o ódio e a inveja, até que, um dia, adormeciam para nunca mais acordarem. Até que a chegada de Pandora, uma espécie de Eva criada pelo Olimpo, veio alterar completamente aquele Paraíso.

Para o misógino Hesíodo, tudo foi uma vingança de Zeus, furioso porque os homens tinham recebido de Prometeu o segredo do fogo. Outros escritores mais filosóficos, diziam que os deuses estavam apenas entediados com aquela situação e, por pura diversão, mandaram a mulher para acabar com aquela monotonia reinante aqui na terra. Com a consequência daquela decisão, todas as versões acabaram concordando: Pandora passou a viver com o irmão de Prometeu, que a recebeu como uma verdadeira dádiva divina, tornando-se o primeiro marido apaixonado da história. Foram felizes por muito tempo, até que Hermes, o mensageiro dos deuses, um dia veio entregar a eles uma caixa misteriosa que viria a modificar para sempre o destino da humanidade.

Aquela caixa tinha a tampa lacrada com cera e Hermes pediu para eles a guardarem zelosamente até que ele viesse a buscá-la, mais tarde, recomendando que não deveriam abri-la em hipótese alguma. Essa foi a armadilha: sem que suspeitassem, Zeus havia colocado dentro da caixa todos os males que o mundo ainda desconhecia: o Medo, o Sofrimento, o Trabalho, o Frio, a Fome e todos os demais, esperando que a curiosidade de Pandora vencesse aquela recomendação de Hermes. Não deu outra: atraída pelo zumbido misterioso que saia da caixa, ela aproveitou um descuido do marido e levantou um pouquinho a tampa para ver o que havia lá dentro. Foi o suficiente para que aqueles males todos saíssem pela fresta cobrindo Pandora e seu marido de ferroadas insurpotáveis e espalhando-se pelo mundo, qual um enxame de abelhas furiosas. Foi então que uma vozinha suave chamou de dentro da caixa: era a simpática Esperança, a única que tinha ficado para nos confortar.

Mas, possivelmente, esse era o agente mais perverso da vingança de Zeus. Quando a esperança toma conta de nós, fazendo com que tenhamos, diante das promessas sempre generosas do futuro, o esquecimento da alegria de viver plenamente o presente, que passa a ser provisório e sem graça, transformando-nos numa daquelas pessoas que perdem os seus dias pensando na noite e suas noites pensando na aurora.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - Lição para os poderosos



Creso Recebendo Tributo, de Claude Vignon.

O poderoso e riquíssimo rei da Lídia, jamais esquecia de agradar os deuses. A eles Creso dedicava templos esplendorosos, mas não descuidava das artes e da ciência. Por isso, convidava para sua corte os grandes mestres da época, aos quais recompensava generosamente pelos ensinamentos que ministravam. Dessa forma veio a conhecer Sólon, um dos sete sábios daquela época. Aquele sábio aceitou o convite, mais por curiosidade do que pelo dinheiro. Na corte, Sólon foi convidado a visitar todas as dependência do palácio e arredores, para que pudesse avaliar como era rico era seu hospedeiro. Depois daquela visita, foi levado à presença do próprio Creso, que o aguardava em seu trono de ouro, coberto por um manto cravejado de pedras preciosas.

"Então, Sólon, conheces alguém mais feliz do que eu?" perguntou o rei. "Sim", respondeu o filósofo surpeendendo o monarca. "Existe um tal de Télus, um ateniense do povo, que era um homem de bem, assim como seus filhos, aos quais todos nós respeitávamos. Era um cidadão exemplar que morreu com a espada nas mãos, defendendo Atenas contra os invasores".

Creso, sentindo-se diminuído com a resposta, resolveu insistir. " E eu, tu não me achas feliz?" Sólon sacudiu a cabeça: "Hoje, talvez. Mas amanhã, quem vai saber? A vida traz muitas surpresas: é preciso aguardar a última cena". Considerando-o um grosseirão, Creso dispensou-o e mandou levá-lo de volta para a Grécia.

Anos depois, levado pelo orgulho, Creso declarou guerra aos persas do grande conquistador Ciro, sendo por este fragorosamente derrotado e feito prisioneiro. Os persas levantaram uma grande pira, amarraram Creso sobre ela e puseram fogo na madeira seca. Ali, esperando a mordida fatal das chamas, Creso lembrou aquelas palavras de Sólon. Com um suspiro que atravessou o silêncio dos que assistiam à cena, Creso olhou para o céu e exclamou queixosamente, o nome de Sólon por três vezes. Curioso, Ciro mandou seus intérpretes perguntarem a Creso que deus era aquele que ele, Ciro, não conhecia. Quando soube que era um dos sete sábios, mais intrigado ficou. "Espera que ele venha salvá-lo"? "Não, disse Creso, é que finalmente entendi a lição que ele me deu" - e contou seu encontro com Sólon anos atrás. Ciro, comovido pelo que ouvira, mandou que tirassem Creso da pira. Tinha enxergado a si próprio naquele homem derrotado, esfarrapado, enegrecido pela fumaça, que tinha sido um rei poderoso como ele. E fez mais: tomou Creso por conselheiro, para que nunca o deixasse esquecer que a felicidade é fugaz, mas a sabedoria é para sempre.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - A Arma mais Poderosa


(Mosaico em Pompéia - Naples National Archaeological Museum)

A Grécia antiga era formada por cidades estados. Ocupavam o mesmo território e falavam a mesma língua, mas havia muita rivalidade e disputas entre elas, muitas vezes descambando para guerras violentas. Nas guerras entre Atenas e Esparta, ou contra o formidável exército dos persas, a imaginação grega concebeu a falange, uma formação de soldados a pé, agrupados em várias fileiras compactas, que marchavam ombro a ombro, onde cada soldado levavaum escudo no braço esquerdo e uma lança no direito. O segredo do sucesso daquela formação, é que um dependia do outro para sobreviver nas batalhas. Um soldado da linha da frente sabia que o seu escudo devia proteger o companheiro que estava à sua esquerda, enquanto ele próprio era protegido pelo escudo do companheiro à sua direita. A vitório no combate, dependia da capacidade da falange manter a sua formação durante a luta. Não podia haver brechas, e, se alguém da frente caísse, seu lugar devia ser imediatamente tomado por um soldado da segunda linha. A marcha tinha um compasso marcado pela música de um flautista, porque era fundamental que as fileiras se movessem ao mesmo tempo, como se fosse um só homem. Dizem as testemunhas da época que era impressionante o espetáculo de uma falange de espartanos, com seus mantos vermelhos e suas armaduras brilhantes, em trote curto e decidido, com as lanças em posição de ataque, avançando pela planície como um monstruoso ouriço com os espinhos levantados.

Os inimigos respeitava muito aquelas falanges, mas pareciam atribuir as vitórias dos gregos a uma outra arma muito mais perigosa. Quando Xerxes foi obrigado a recuar para a Pérsia com seu exército, levou consigo todos os livros que estavam na grande biblioteca pública de Atenas: ele estava convencido de que os gregos, uma vez privados de seus livros, estariam também privadosde seu espírito nacional e de seu valor combatente.

Décadas depois, numa de suas intermináveis guerras internas, os mitilênios derrotaram os atenienses e foram impiedosos com os vencidos: proibiram-nos de educarem os filhos, privando-os do estudo das letras e da música, porque "não havia maior castigo do que condená-los a viver na ignorância".

O próprio Felipe, rei dos macedônios e um dos maiores guerreiros do mundo antigo, pensava como um grego e foi por isso que escreveu a Aristóteles, no dia em que nasceu seu filho Alexandre Magno: "De Felipe a Aristóteles, saudações. Quero que saibas que acaba de nascer meu filho, e que agradeço aos deuses por te-lo feito nascer na mesma época em que tu vives, pois espero que, educado e formado por ti, ele possa se mostrar digno de seu pai e do império que ele vai dirigir um dia".

Há vinte e cinco séculos atrás eles já sabiam - os persas, os mitilênios, os gregos e os macedônios - que é no rigor do estudo e no prazer da leitura que se trava o verdadeiro combate pelo futuro de um povo. E pensar que hoje em dia, neste triste Brasil, ainda tem gente que não sabe disso.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - Orelhas de Burro


(Midas ouve Pan - Johann Georg Bergmueller )

Dizem que o rei Midas, da Frígia, era um sujeito um tanto atrapalhado que ousou afirmar um dia, que flauta tocada pelo sátiro Marsias era muito mais melodiosa do que a harpa tocada por Apolo. O deus da música, quando soube disso, ficou furioso e castigou aquela afronta fazendo as orelhas de Midas crescerem longas e peludas, ficando iguais à orelhas de burro. Para ocultá-las, o rei colocou na cabeça um barrete vermelho do tipo que os camponeses frígios costumavam usar naquela época. Aconteceu que, depois de um ano, o cabelo do rei tinha crescido tanto que ele precisou chamar um barbeiro ao palácio.

Com ar ameaçador, Midas conduziu o homem a uma peça sem janelas e chaveou a porta por dentro. Qundo tirou o barrete e deixou as longas orelhas à mostra, o barbeiro começou a trabalhar com suas tesouras como se nada notasse de diferente. Ao terminar o corte, Midas avisou-o que aquilo era segredo de estado: se contasse para alguém o carrasco real iria separar a sua cabeça do tronco. O barbeiro, aparentando indiferença, disse: " Não sei do que Vossa Majestade está falando, pois eu nada vi nesta sala que já não tivesse visto antes". O rei ficou tão satisfeito com a resposta que pagou-lhe várias vezes o valor do corte. Então o barbeiro saiu do palácio com as pernas bambas, percebendo que havia estado muito perto da morte.

Pouco a pouco aquele segredo começou a pesar tanto para o pobre barbeiro que o mesmo acabou ficando mais infeliz do que o rei orelhudo. Precisava contar aquilo para alguém, dividir aquele peso insuportável, aliviar sua mente. Mas temia ainda mais a espada do carrasco. Continuou a sofrer até que um dia, teve uma inspiração. Afastou-se o mais que pode da cidade e, lá longe, na curva deserta de um rio, cavou um buraco na margem, ajoelhou-se na areia úmida e sussurou ao buraco tres vêzes: "Midas tem orelhas de burro".

Depois disso, aliviado, repôs a terra cuidadosamente, cobrindo assim as perigosas palavras que tinha proferido, e retornou em silêncio para casa. Mas bem ali, naquele ponto onde cavou o buraco, algum tempo depois nasceu uma touceira de juncos que, na primavera seguinte, quando o vento agitava suas hastes flexíveis, faziam um barulho que parecia reproduzir na linguagem deles, o segredo que tinha sido confiado à terra: "Midas tem orelhas de burro". E o vento espalhou aquele segredo pelos campos, e os campos o repetiu para os cascos dos cavalos que por ali passavam, em direção à cidade, e a cidade o repetiu nas esquinas, nas feiras e no mercado, até que todos se inteirassem daquele fato.

Midas foi um grande tolo, como tolo são todos os governantes que pensam que podem ocultar, com dinheiro e ameaças as suas orelhas de burro, pois, bem mais cedo do que imaginam, o vento espalhará pela cidade os segredos e as verdades que em vão tentam esconder. Parece que isso está acontencendo hoje em dia, no nosso Congresso Nacional.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - Tempero do amor



A Ilíada é uma das versões mais conceituadas da Guerra de Tróia. Além do acontecimento principal, que nós já conhecemos, desenvolve uma série de estorinhas ao longo do enredo principal, cada uma mais fascinante do que a outra. Uma das melhores, diz que Hera adormeceu Zeus - seu marido e rei dos deuses do Olimpo - para alterar, enquanto ele dormia, o rumo da Guerra de Tróia. Acontece que o senhor do Olimpo acabara de proibir a interferência dos deuses naquele combate entre mortais. Seu decreto era claríssimo: " Que os homens lutem e decidam seu próprio destino". Hera sabia que tal ordem era endereçada principalmente a ela, conhecida inimiga dos troianos, como também sabia que Zeus vigiava, do alto do Monte Ida, o desenrolar da batalha que se travava na planície. Mas isso não a intimidou. Não iria desistir só porque ele proibiu. Ela conhecia as armas para vencê-lo.

Nua, diante do espelho, ela se preparou para outro tipo de guerra. Passou em todo o corpo um óleo sutilíssimo e perfumado, dividiu o cabelo em duas belas tranças e enfeitou as orelhas com brincos de ametista. Vestiu uma túnica levíssima e colocou nos quadris um cinto de franjas que se moviam ao caminhar. Estava pronta para o combate, mas ainda assim pediu a Afrodite a sua lendária fita do desejo (um talismã que enlouquecia qualquer homem que dele se aproximasse), amarrando-a na cintura. Assim deslumbrante ela foi apresentar-se aos olhos espantados de Zeus, que ficou enfeitiçado e arrebatado pela paixão. Ele queria fazer amor ali mesmo, mas ela, fingindo estar com vergonha, esquivava-se de seus abraços mais impetuosos, exigindo que ele cumprisse os rituais da sedução. Impaciente em convencê-la, disse que a desejava naquele instante como nunca havia desejado alguém antes. E surpreendentemente, fez uma inusitada enumeração de ninfas e mortais com as quais tinha dormido recentemente. Hera finalmente cedeu. Os dois se amaram ali mesmo, na relva, sobre um colchão de flores. Depois, Zeus pegou no sono e ela mudou o curso da guerra.

O tempo foi passando e Zeus continuava o mesmo. Um dia, cansada, Hera abandonou o Olimpo e voltou para sua terra natal, a ilha de Eubéia. Morto de saudade, Zeuas queria que ela voltasse. Como não sabia o que fazer, para reconquistá-la, foi humildemente consultar o homem mais sábio do mundo, que o aconselhou a esculpir uma imagem de mulher, vestí-la como noiva e circular por Eubéia numa carruagem matrimonial, anunciando que ia se casar com uma mulher bem mais jovem. Como era previsível, Hera, tão logo ouviu a novidade, apareceu em cena e pôs-se a rasgar as roupas da pretensa noiva. Ao perceber o estratagema, entendeu, entre orgulhosa e satisfeita, o objetivo de Zeus, e com ele reconciliou-se para sempre.

O segredo era o ciúme, esse licor venenoso que já destruiu tanta gente. Nele Zeus e Hera encontraram a força para viverem juntos. Para seduzí-la, lá no Monte Ida, ele apelou para o ciúme. Mais tarde o ciúme os separou, mas foi também pelo ciúme que Zeus a trouxe de volta. Se alguém perguntasse àquele sábio se essa é a receita para um bom casamento, ele diria sorrindo, que não existem receitas. O que é puro veneno para uns, pode ser tempero para outros.