sexta-feira, 29 de julho de 2011

Pérolas da Mitologia - A inveja é um veneno (2)


As Filhas de Cecrops - Rubens

Uma vez Hermes estava voando sobre os arredores de Atenas, cumprindo sua missão de mensageiro dos deuses, quando foi atraído por um gracioso cortejo formado por Pandrosa, Herse e Aglaura, as três belas filhas do rei Cécrops. Com guirlandas na cabeça, elas voltavam do templo da deusa protetora da cidade. Ao ver Herse, cuja beleza ofuscava a das irmãs, Hermes ficou tão perturbado que não atinou descer ao solo. Em vez disso, descreveu uma curva nos céus e voltou a tempo de vê-las entrando em casa. Com seu coração já enfeitiçado pela bela princesa, desceu ao solo para procurá-la. Aglaura foi quem viu aquele estranho se aproximando. Hermes tratou-a com simpatia, revelou quem era e pediu para ajudá-lo a aproximar-se de Herse. Aglaura empalideceu só de ouvir falar da irmã, alegou que ela dormia, e que poderia fazer aproximação dos dois mais tarde, somente por muito dinheiro.

Desapontado, Hermes contou tudo para a deusa Atena, que resolveu punir Aglaura. Para tanto procurou Inveja e mandou-a invadir o coração da princesa. Enquanto Aglaura dormia, Inveja entrou no palácio e soprou seu hálito peçonhento em suas narinas e ainda insuflou-lhe na mente a tortura de ficar imaginando cada detalhe do possível casamento grandioso de Herse. Desde aquele dia, Aglaura começou a se corroer por dentro, não por ciúme, uma vez que Hermes não a atraia, mas devido a terrível idéia de que Herse seria feliz. Chegou a pensar em morrer para não assistir o sucesso da irmã. Quando Hermes voltou, ela estava tão desatinada que deitou-se diante da porta para impedir a passagem dele. O deus tentou afastá-la gentilmente, mas ela declarou que ficaria ali para sempre para impedi-lo de entrar.

Hermes perdeu a paciência e respondeu que concordava e tocou-a com seu bastão mágico. Então Aglaura percebeu que perdia os movimentos e um frio mortal invadia seu corpo. Ela acabou virando pedra, ficando ali como uma estátua inútil que nem mesmo era branca, mas de uma pedra escurecida pela chama da inveja.

Nesse mito narrado por Ovídio, mais do que a compreensível vontade de ter o que Herse tem, Aglaura sofre por sentir o desejo obscuro de que Herse não tenha. Por isso ela virou uma estátua, vítima da mesma paralisia que acomete todo aquele que, ao saber do sucesso de alguém, sente-se mal e entristece, não por perder alguma coisa, mas porque a simples idéia de ver outra pessoa feliz, torna-se para ele um veneno insuportável.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Pérolas Gregas - A Vida Virtual


Plutarco - Delfos

A imaginação dos antigos gregos era insuperável. Criaram seres fantásticos como centauros, ciclopes e hidras, mas sabiam muito bem distinguir o falso do verdadeiro. Plutarco contou sobre o famoso processo de Thonis, que a bela cortesã egípsia moveu contra um jovem apaixonado. Quando o rapaz a procurou dizendo que a desejava muito, Thonis mostrou-se indiferente inicialmente, mudando de idéia quando ele ofereceu uma bela quantia em troca de seus favores.

O encontro ficou para o dia seguinte, mas naquela noite, excitado com a perspectiva de tê-la nos braços, o jovem sonhou que a possuía, e foi um sonho tão real, tão cheio de deliciosas sensações, que o desejo que sentia ficou definitivamente apaziguado e ele desmarcou o compromisso. Ao saber dos motivos, ela entrou com um processo no tribunal, exigindo o pagamento combinado, argumentando que o jovem tinha usado a imagem dela para saciar sua paixão. O juiz, depois de ouvi-la, mandou o rapaz leva à corte a quantia acertada e ali contar as moedas uma a uma. Depois mandou ele passar as moedas da mão esquerda para mão direita, mas sem entregá-las à prostituta, porque ela, que havia participado do sonho com apenas a sombra do seu corpo, estaria bem paga com a sombra do dinheiro.

Aquela sentença não negava o valor dos sonhos, mas decidiu que eles não podem ser confundidos com a vida real. Uma coisa é a realidade, outra coisa as várias formas de imitá-la. Isso também deixou claro o famoso general espartano Agesilau, um dos mais famosos do mundo antigo: quando foi convidado para ouvir um homem que imitava com perfeição o canto do rouxinol, disse que não estava interessado porque já tinha ouvido, diversas vezes, o cantar de um rouxinol de verdade.

Esse valor maior atribuído ao real e ao verdadeiro, hoje é coisa do passado. Nosso século prefere a realidade organizada do mundo virtual, onde tudo é possível, tudo pode ser corrigido e melhorado, onde a cópia sai melhor do que o original. É um mundo triste para os pássaros, pois o rouxinol virtual vai cantar melhor do que o verdadeiro, porque todas as imperfeições da avezinha serão editadas e suprimidas. Para nós é ainda pior: acostumados a essa falsa perfeição, muitos já não têm a coragem de correr os riscos que a vida traz.

Evitam até mesmo correr o risco de sentir um amor de verdade, coisa que causaria uma perturbação nesse mundo organizado, e, daí, preferem mascarar tal ausência com uma simulação. Como atores de uma peça, fingem que estão apaixonados, reduzindo o amor ao ritual de trocar mensagens adocicadas e presentes obrigatórios em certas datas – e o fazem simplesmente para não morrer de tristeza.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Pérolas da Mitologia - A Beleza Interior


  A Corte de Paris e Helena - Jacques-Louis David

A lendária cidade de Tróia acabou sendo destruída pelos gregos por causa de Helena, a lindíssima esposa de Menelau, seduzida por Paris, o jovem e charmoso príncipe troiano. Depois de 10 anos de muitas lutas e peripécias, Tróia caiu e foi incendiada. Então Menelau pode voltar com Helena para Esparta, onde viveram felizes o resto de seus dias.

Muitos autores se esforçaram em demonstrar que Helena não era uma esposa infiel, capaz de abandonar o marido e os filhos na primeira oportunidade que apareceu. Para alguns, ela só fez aquilo por causa de Afrodite, a deusa do amor, que se apoderou de sua mente e fez dela marionete. Para outros ela foi levada a força, na ponta da espada, como acontecera com outras mulheres gregas antes dela. Uma terceira e curiosa versão dizia que Helena nunca pisara em solo troiano: ao fazer uma escala forçada no Egito, o faraó se indignou ao saber do seqüestro, reteve-a como hóspede e obrigou Paris a voltar sozinho para casa.

Quando os gregos, que desconheciam aquele fato, foram à Tróia exigir sua rainha, não acreditaram quando lhes disseram que ela ficara no Egito. Eurípedes ampliou esta versão, acrescentando que Helena ficou, sim, no Egito, mas Paris teria ido para casa levando, sem o saber, uma Helena falsa, um clone construído pelos deuses para punir os troianos.

Alguns daqueles autores queriam defender a imagem virtuosa de Helena apenas para justificar a naturalidade com que Menelau a recebeu de volta, tranqüilizando assim os maridos de toda a Grécia. Outros fizeram-no porque acreditavam nessa relação misteriosa que existe entre o nosso lado de dentro com o lado que aparece, e não acreditavam que alguém com tanta beleza, como Helena, pudesse ser uma pessoa vil e traiçoeira como pintavam.

O filósofo Montaigne também acreditava nessa relação do interior com a aparência, e aconselhava a nunca se desprezar a aparência, pois, dizia ele, assim como o sapato acaba assumindo a forma do pé que o calça, aquilo que se passa em nosso íntimo acaba aflorando na superfície. Diferente da pérola que vai crescendo no brilho sem que isso afete o lado externo da ostra, a beleza interior das pessoas, quando existe, nunca deixará de ser visível, especialmente no rosto. Essa região fascinante do corpo parece ser reservada para que brotem ali as flores do nosso espírito.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Pérolas Gregas - O sucesso alheio nos entristece



As Nove Musas

Eufêmia era uma ninfa do monte Hélicon, que recebeu dos deuses o encargo de cuidar das nove Musas recém nascidas. Em seguida deu à luz um menino que chamou Crocus. Mais tarde, esse menino se tornou um dos raros mortais que subiu aos céus e lá continua até hoje.

Ele foi criado junto com as Musas e cresceu em meio à beleza, seja nos bosques verdejantes onde vagava com seu arco certeiro, ou em casa, junto às suas meias-irmãs, quando as ouvia cantar. Para expressar a satisfação que sentia ao ouvir aquela música belíssima, ele se punha a bater palmas com tal entusiasmo que, até hoje, é considerado o inventor dos aplausos. Ele era mortal, mas as Musas agradecidas, pediram a Zeus que o levasse para o céu, onde ele brilha até hoje como a constelação do Arqueiro, que nós conhecemos como Sagitário.

Por outro lado, Momus foi um dos poucos deuses expulso do Olimpo. Ele era a personificação da crítica, do escárnio e da reprovação. Uma estória antiga diz que Zeus criou o primeiro homem, Posêidon criou o primeiro touro e Atena, a primeira casa. Como discutissem que teria feito o melhor trabalho, convocaram Momus para ser o juiz dessa questão. No entanto, ele ficou muito invejoso e despeitado com a habilidade daqueles três e tratou de encontrar defeitos na obra de cada um. Criticou Posêidon por não ter colocado os chifres do touro abaixo da linha dos olhos, para que o mesmo pudesse ver onde estava chifrando. Criticou Zeus por não ter feito uma janela no peito do homem, para que se pudesse ver se trazia o bem ou o mal em seu coração. Criticou Atena por não ter colocado rodas de ferro na casa, para que o morador pudesse levá-la para onde quisesse. Com Afrodite, então, chegou ao cúmulo. Chamado a opinar sobre sua beleza, Momus não encontrou um defeito, uma falha sequer para criticar. Então reclamou que as sandálias dela rangiam quando ela caminhava. Foi aí que Zeus o expulsou, considerando-o indigno de viver no Olimpo.

Pois o talento e a beleza dos outros nos dividem, entre aplausos e vaias, até hoje. As vezes aceitamos, tal como Crocus, admirar alguém que está acima de nós por seus atos ou qualidades, sem nos sentirmos despeitados. No entanto somos humanos e não merecemos viver lá no céu. Na maior parte das vezes, o brilho e o sucesso de nossos semelhantes nos diminuem e nos deixam infelizes. Então agimos como Momus, revelando-nos verdadeiros especialistas em buscar e apontar os defeitos, dando razão ao antigo filósofo que admitiu, corajosamente, que o bem dos outros nos entristece, mas seu mal só nos traz alegria.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Pérolas Gregas - A voz da sabedoria




Em todas as épocas a humanidade sempre esperou encontrar alguém para lhe mostrar o caminho para uma vida melhor, alguém a quem pudesse perguntar sobre o certo e o errado, o bem e o mal, o valioso e o supérfluo. Os mais sensatos procuram isso junto aos mais velhos, orientando sua conduta na experiência dos mesmos. Os mais pretensiosos consultam os oráculos ou adivinhos, acreditando que por eles seriam melhor aconselhados.

Os gregos primitivos tiveram a sorte de poderem recorrer aos Sete Sábios, um grupo de homens excepcionais que surgiram e amadureceram numa mesma geração. Eles não eram filósofos, mas teriam alcançado um perfeito entendimento da existência e uma notável sabedoria prática das coisas. Seus ditos e conselhos compunham um verdadeiro manual para viver melhor. Muitas das suas máximas mais conhecidas – “Respeita teus amigos”, ou Rico é quem pouco deseja”, ou “Devolve o que te emprestaram”, ou ainda “Não julgues a vida de um homem antes do seu último dia”, entre outras, – não encontram mais ressonância nos dias atuais. Nem mesmo os preceitos especiais que gravaram no templo de Apolo escaparam da indiferença contemporânea.

Segundo a lenda, um dia os sete se reuniram em Delfos, para consagrar ao deus que regia aquele templo, os conselhos que eles consideravam mais valiosos para a vida de um homem de bem. Foi então que o vestíbulo do templo mais famoso da antiguidade passou a exibir inscrições como “Conheça-te a ti mesmo”, ‘Nada em excesso”, Lembra-te que és mortal” ou “Aprende a colher no momento certo”. É inacreditável que frases tão importantes como aquelas digam tão pouco para a mentalidade reinante hoje em dia.

São conselhos de boa conduta, não muito diferentes daqueles que graváramos para orientar nossos filhos. São máximas que, na Grécia antiga e atualmente, têm o mesmo caráter ético e apontam na mesma direção: uma vida correta, baseada na moderação e no auto controle.

Para o homem moderno elas soam como ingênuas frases de almanaque. Mas isso só depõe contra os leitores de hoje, não contra quem as escreveu. Em todas as épocas, em todos os lugares, as respostas essenciais sempre foram e continuarão sendo as mesmas.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Pérolas Gregas - Nada está predeterminado




Na Grécia antiga vinham pessoas de todas as partes para consultarem Delfos, famoso oráculo que era assistido pelo próprio Apolo, o deus da profecia. Os gregos acreditavam que os oráculos eram representantes divinos. Porém as mensagens eram sempre obscuras ou incompletas, quase sempre com dupla interpretação. Isso foi confirmado por Creso, rei da Lídia, que adquiriu fama no mundo antigo por seu lamentável equívoco. Tomado pela obsessão de conquistar a Pérsia, foi a Delfos perguntar qual eram suas chances de vencer.

Diante da resposta do oráculo: “ Se Creso atacar a Pérsia, fará um grande império cair”, encheu-se de entusiasmo, reuniu seus exércitos e invadiu a Pérsia, sendo fragorosamente derrotado. Mas sobreviveu e, anos depois, foi a Delfos reclamar, sendo por este repreendido: se tivesse perguntado que império cairia, ficaria sabendo que era o seu. E não teria empreendido aquela campanha absurda.

Mais tarde, quando os persas marcharam sobre a Grécia, foram tomando uma a uma todas as cidades gregas em seu caminho. Os atenienses percebendo que seriam as próximas vítimas, consultaram Delfos para saber o que deveriam fazer. Nunca o oráculo foi tão claro: “Fujam para bem longe, enquanto é tempo, porque o fogo vai deixar suas casas e templos em ruínas”. Apesar do pânico provocado por tais palavras, fizeram uma nova consulta: ou recebiam uma previsão mais otimista ou ficariam ali para sempre, nas escadarias de Delfos, até morrerem de fome e de sede. Aquela colocação foi convincente, pois o oráculo acabou revelando que ainda era possível salvar a cidade, desde que confiassem “nos muros de madeira” – que os atenienses interpretaram como o casco de madeira dos navios que tinham acabado de construir. Então atraíram os persas para um combate naval e os derrotaram perto de Salamina.

Se Apolo nunca é tão preciso quanto alguns gostariam,é porque ele conhece o segredo supremo que rege a nossa existência: nada é predeterminado. O velho filósofo Heráclito foi o primeiro a compreender esse fato: o deus que fala em Delfos não revela nem esconde a verdade – ele apenas a aponta. O resto é o homem que escolhe.

Creso poderia ter feito a pergunta que não fez, e os mensageiros poderiam ter voltado para Atenas sem insistirem na consulta – mas eles próprios elegeram seus destinos. É como ensina a velha imagem do cone e do cilindro a beira de um plano inclinado: mesmo que ambos recebam impulso idêntico, eles vão descer a rampa de maneira diferente. Assim somos nós. Os fatos estão aí, na sua realidade objetiva, mas a reação que eles provocam vai depender do caráter de cada um. Na curta ladeira da vida, uns vão descer como cones, outros como cilindro, mas tudo depende de nós. Os deuses só observam.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Pérolas da Mitologia - Devemos Domar a Fera



Os antigos gregos, mais sábios, diziam que não se deve tentar enganar os deuses porque a vingança deles será terrível. Uma prova disso é o que aconteceu com o lendário Minos, rei de Creta. Ele prometera ao deus dos mares, Posêidon, que sacrificaria cada ano, em sua homenagem, o melhor touro de seu rebanho. Assim fazia, até que, num determinado ano, o melhor touro era tão magnífico que Minos resolveu sacrificar outro em seu lugar, imaginando que o deus não perceberia a troca. Posêidon ficou tão furioso que castigou Minos de uma maneira impensável: fez a rainha enlouquecer de paixão por aquele touro, que a cobriu e emprenhou como se fosse uma simples novilha. Daquela espantosa união nasceu um ser monstruoso chamado Minotauro, cujo corpo era humano mas a cabeça era bovina, a revelar para todos o obsceno adultério da rainha.

Para esconder aquela vergonha, o rei Minos fez construir um labirinto, cheio de corredores e túneis que se entrecruzavam em diversos níveis e desembocavam em incontáveis encruzilhadas diferentes, porém idênticas aos olhos do infeliz que, uma vez lá dentro, buscasse uma saída nunca encontrada. Ali foi confinado o homem-touro para sempre, onde era alimentado, todos os anos, com a carne de jovens prisioneiros atenienses que eram forçados a entrar naquelas escuras galerias, até que um dia Teseu foi lá e matou a fera, libertando seu povo daquele pesadelo.

Esse mito que fala de uma criatura grotesca escondida nas profundezas da terra, parece apontar para uma parte secreta dentro de nós mesmos, onde um monstro habita as cavernas desconhecidas do nosso inconsciente. Ele existe, sim. Está lá, emergindo de vez em quando para azucrinar nossa vida. Nosso problema é decidir o que fazer com ele. Matá-lo, como fez Teseu com o Minotauro de Creta?

Nem pensar, pois seria matar uma parte de nós mesmos. Ignorá-lo também não é possível, pois seus rugidos freqüentes e suas exigências estão sempre a nos lembrar da sua presença nos recôndidos escaninhos de nossa consciência. Desistir de enfrentá-lo, como fazem alguns, também não vai nos poupar do temível encontro com tal monstro, pois ele está sempre presente, e, a qualquer momento, atormentará nossa vida.

Parece que o melhor a fazer é aceitar sua existência e conviver com ele, tentando atenuar um pouco sua ferocidade, como fez Tia Anastácia, a alegre cozinheira do Sítio do Pica-Pau Amarelo, quando o genial Monteiro Lobato inventou uma aventura na Grécia. Ela se perdeu no labirinto de Creta, mas foi salva pelo sabor inigualável de seus bolinhos famosos. Quando Pedrinho e sua tropa desceram até lá para resgatá-la, encontraram o Minotauro mais gordo e significativamente mais manso. Domesticado pelos bolinhos da Tia Anastácia, já não assustava ninguém.

domingo, 22 de maio de 2011

Pérolas Gregas - A Ânsia de Agradar Todos



Hoje sabemos que o camaleão se alimenta de insetos que captura com sua longa e viscosa língua. Porém, na antiga Grécia, ao vê-lo assim, imóvel e de boca aberta, não imaginavam que ele estivesse caçando, acreditavam apenas que êle estivesse sorvendo o vento, do qual se nutria. Parece absurdo, mas o próprio Plínio, um dos grandes cientistas do seu tempo, dizia da sua admiração por aquela criaturinha que não precisava comer nem beber.

O camaleão também fascinava os cientistas e filósofos do passado, por sua capacidade de mudar rapidamente de cor.

Esse símbolo vivo de inconstância e mutabilidade inspirou Plutarco a falar de Alcebíades, figura famosa e controvertida da democracia ateniense. Ele foi discípulo de Sócrates e teve seu nome imortalizado em diversos diálogos de Platão. Apesar de ser nobre e atraente, também era rico e inteligente, era tal o seu desejo de agradar as pessoas à sua volta que logo tratava de adotar seus modos e costumes no intuito de seduzi-las. Ele mesmo dizia que não suportava que o olhassem com indiferença e que precisava sentir-se amado e admirado por todos. Por isso tornou-se mais hábil em transformar-se do que um camaleão, fato que constituía sua faculdade dominante e o seu maior talento.

No seu curto exílio em Esparta, cativou a todos ao mostrar-se entusiasmado com a dura rotina daquela cidade, banhando-se em água fria e comendo o pão grosseiro com o escuro caldo espartano, como se não tivesse em Atenas banhos quentes e cozinheiros refinados. Na Jônia mostrou-se afeminado, fútil e voluptuoso. Entre os persas tratou de superá-los no luxo e ostentação. Não fazia isso por si mesmo, mas para agradar seus interlocutores, e, assim, os conquistava.
Não foi feliz. Como o camaleão dos antigos, se alimentava do vento das aparências e, por isso mesmo, vivia insatisfeito, sempre trocando de cor para atrair novas presas. Entre os gregos e os persas, Alcebíades desfrutou de estranhos e requintados prazeres, mas nunca experimentou o mais raro e valioso de todos: a sensação de paz que nos invade quando conseguimos nos ver livres da ânsia de agradar a todos, o tempo todo e a qualquer custo, podendo então conviver sem angústia com o fato inevitável de não sermos estimados ou valorizados por pessoas que, no fundo, em nada nos interessam.

sábado, 7 de maio de 2011

Pérolas Gregas - Complexo de Eletra



A psicanálise dá esse nome a um problema emocional que acomete as meninas entre os 5 anos de idade e a puberdade. Consiste numa afeição exagerada pelo pai, que provocaria uma desejo inconsciente de eliminar a mãe para ficar com o pai só para ela. Ao nível do consciente isso traz uma série de conflitos típicos que infernizam a vida da menina e dos familiares.

O nome foi dado por Sigmund Freud que estudou e descreveu aquele trauma pela primeira vez, dando-lhe o nome em alusão à tragédia grega Elektra, uma peça de teatro produzida pelo dramaturgo Sófocles, o maior de todos os tragediógrafos. Aquele autor viveu no 5º século antes de Cristo, no auge da cultura helênica, atribuindo-se ao mesmo a autoria de 123 peças, das quais apenas 7 chegaram intactas aos nossos dias: Ájax, Antígona, Astraquínias, Édipo Rei, Elektra, Filotectes e Édipo em Colono. Das outras conhecemos apenas fragmentos. Outros dramaturgos famosos que conviveram com Sófocles e rivalizaram com ele, foram Eurípedes e Ésquilo.

Elektra era filha primogênita do rei Agamêmnon, que liderou a armada grega na guerra de Tróia. Sua mãe era a rainha Clytemnestra, irmã de Helena, aquela mesma que deu motivo à guerra, quando foi raptada pelo príncipe troiano Paris. Durante a ausência de Agamêmnon naquela guerra, Clytemnestra tornou-se amante de Egisto. Finda a guerra, Agamêmnon retorna à Grécia, sendo recebido por Egisto para um banquete, durante o qual é assassinado pela esposa, que em seguida casa-se com Egisto. Para vingar a morte do pai, Elektra trama a morte da mãe.

Na versão de Sófocles (existe também uma versão de Eurípedes), após a morte de Agamêmnon, Elektra foge com seu irmão Orestes, deixando-o aos cuidados de Estrófio e retorna para ficar no palácio, apesar do ódio que sentia por Clytemnestra e seu amante.
Já adulto, Orestes e seu primo Pílades partem em busca de vingança, porém divulgando antes a falsa notícia de sua própria morte. Ao saber disso, Elektra ficou muito abalada, mas resolveu prosseguir sozinha com aquela vingança. Porém Orestes logo a encontra e esclarece o plano para assassinar Clytemnestra. Executaram o plano e, quando Egisto voltou ao palácio, também foi morto por eles.

sábado, 30 de abril de 2011

Pérolas da Mitologia - A Mais Antiga das Regras




Filho de Poseidon, Anqueu era um dos tripulantes daquele navio dos argonautas que empreendia a lendária viagem de Jasão em busca do velocino de ouro. Quando o timoneiro Tifis morreu inesperadamente, Aqueu foi escolhido para assumir aquele posto, pois, sendo filho do deus do mar, conhecia melhor do ninguém os mistérios da marés e das estrelas do firmamento. Assim foi que o navio Argos voltou da distante Cólquida em segurança, assumindo para sempre um lugar de destaque na galeria dos mitos imortais.

Anqueu retornou ao seu reino em Samos quando a vindima estava sendo concluída, e os enólogos do palácio deram-lhe a boa notícia que a parreira plantada por ele antes de partir, tinha produzido abundante safra e o primeiro vinho feito com ela estava pronto para ser bebido.

Para Anqueu era uma notícia especial, pois permitiria desfazer uma estranha maldição de um servo seu que, revoltado com o árduo trabalho do plantio, predisse que ele não viveria o bastante para provar o produto daquele vinhedo. Agora o vinho estava ali, na taça cheia que lhe estenderam. Com um sorriso triunfante, Anqueu ergueu-a para apreciar o belo tom sanguíneo da bebida. Depois apreciou o aroma quase selvagem daquele vinho, que lhe recordou as encostas ensolaradas de sua ilha. Então, antes de beber, mandou trazerem à sua presença aquele servo que o amaldiçoara.

“Olha, disse ele, vou engolir a tua profecia junto com este vinho” ao que o servo retrucou:

“Senhor, da taça até a boca, muita coisa pode acontecer”.

Naquele instante entrou um agricultor esbaforido gritando que um grande javali estava destruindo as plantações. Sem hesitar, Anqueu depôs a taça na mesa, apanhou sua lança e precipitou-se ao encontro do javali, para morrer minutos depois, com a femural seccionada pela presa afiada daquele animal.

Porque paraste, Anqueu? Porque trazer o escravo? Porque ir combater aquele animal? Sabias ler as estrelas e conhecias os mistérios do mar, mas ignoraste a mais antiga das regras: quando a vida encher nossa taça, bebamos. Quando essa rara bebida está servida, não é hora de acertar velhas contas nem se preocupar com os negócios. É bebê-la ou perdê-la para sempre, levando para a morte a tortura de nunca mais saber que gosto ela teria na boca.