sexta-feira, 29 de julho de 2011

Pérolas da Mitologia - A inveja é um veneno (2)


As Filhas de Cecrops - Rubens

Uma vez Hermes estava voando sobre os arredores de Atenas, cumprindo sua missão de mensageiro dos deuses, quando foi atraído por um gracioso cortejo formado por Pandrosa, Herse e Aglaura, as três belas filhas do rei Cécrops. Com guirlandas na cabeça, elas voltavam do templo da deusa protetora da cidade. Ao ver Herse, cuja beleza ofuscava a das irmãs, Hermes ficou tão perturbado que não atinou descer ao solo. Em vez disso, descreveu uma curva nos céus e voltou a tempo de vê-las entrando em casa. Com seu coração já enfeitiçado pela bela princesa, desceu ao solo para procurá-la. Aglaura foi quem viu aquele estranho se aproximando. Hermes tratou-a com simpatia, revelou quem era e pediu para ajudá-lo a aproximar-se de Herse. Aglaura empalideceu só de ouvir falar da irmã, alegou que ela dormia, e que poderia fazer aproximação dos dois mais tarde, somente por muito dinheiro.

Desapontado, Hermes contou tudo para a deusa Atena, que resolveu punir Aglaura. Para tanto procurou Inveja e mandou-a invadir o coração da princesa. Enquanto Aglaura dormia, Inveja entrou no palácio e soprou seu hálito peçonhento em suas narinas e ainda insuflou-lhe na mente a tortura de ficar imaginando cada detalhe do possível casamento grandioso de Herse. Desde aquele dia, Aglaura começou a se corroer por dentro, não por ciúme, uma vez que Hermes não a atraia, mas devido a terrível idéia de que Herse seria feliz. Chegou a pensar em morrer para não assistir o sucesso da irmã. Quando Hermes voltou, ela estava tão desatinada que deitou-se diante da porta para impedir a passagem dele. O deus tentou afastá-la gentilmente, mas ela declarou que ficaria ali para sempre para impedi-lo de entrar.

Hermes perdeu a paciência e respondeu que concordava e tocou-a com seu bastão mágico. Então Aglaura percebeu que perdia os movimentos e um frio mortal invadia seu corpo. Ela acabou virando pedra, ficando ali como uma estátua inútil que nem mesmo era branca, mas de uma pedra escurecida pela chama da inveja.

Nesse mito narrado por Ovídio, mais do que a compreensível vontade de ter o que Herse tem, Aglaura sofre por sentir o desejo obscuro de que Herse não tenha. Por isso ela virou uma estátua, vítima da mesma paralisia que acomete todo aquele que, ao saber do sucesso de alguém, sente-se mal e entristece, não por perder alguma coisa, mas porque a simples idéia de ver outra pessoa feliz, torna-se para ele um veneno insuportável.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Pérolas Gregas - A Vida Virtual


Plutarco - Delfos

A imaginação dos antigos gregos era insuperável. Criaram seres fantásticos como centauros, ciclopes e hidras, mas sabiam muito bem distinguir o falso do verdadeiro. Plutarco contou sobre o famoso processo de Thonis, que a bela cortesã egípsia moveu contra um jovem apaixonado. Quando o rapaz a procurou dizendo que a desejava muito, Thonis mostrou-se indiferente inicialmente, mudando de idéia quando ele ofereceu uma bela quantia em troca de seus favores.

O encontro ficou para o dia seguinte, mas naquela noite, excitado com a perspectiva de tê-la nos braços, o jovem sonhou que a possuía, e foi um sonho tão real, tão cheio de deliciosas sensações, que o desejo que sentia ficou definitivamente apaziguado e ele desmarcou o compromisso. Ao saber dos motivos, ela entrou com um processo no tribunal, exigindo o pagamento combinado, argumentando que o jovem tinha usado a imagem dela para saciar sua paixão. O juiz, depois de ouvi-la, mandou o rapaz leva à corte a quantia acertada e ali contar as moedas uma a uma. Depois mandou ele passar as moedas da mão esquerda para mão direita, mas sem entregá-las à prostituta, porque ela, que havia participado do sonho com apenas a sombra do seu corpo, estaria bem paga com a sombra do dinheiro.

Aquela sentença não negava o valor dos sonhos, mas decidiu que eles não podem ser confundidos com a vida real. Uma coisa é a realidade, outra coisa as várias formas de imitá-la. Isso também deixou claro o famoso general espartano Agesilau, um dos mais famosos do mundo antigo: quando foi convidado para ouvir um homem que imitava com perfeição o canto do rouxinol, disse que não estava interessado porque já tinha ouvido, diversas vezes, o cantar de um rouxinol de verdade.

Esse valor maior atribuído ao real e ao verdadeiro, hoje é coisa do passado. Nosso século prefere a realidade organizada do mundo virtual, onde tudo é possível, tudo pode ser corrigido e melhorado, onde a cópia sai melhor do que o original. É um mundo triste para os pássaros, pois o rouxinol virtual vai cantar melhor do que o verdadeiro, porque todas as imperfeições da avezinha serão editadas e suprimidas. Para nós é ainda pior: acostumados a essa falsa perfeição, muitos já não têm a coragem de correr os riscos que a vida traz.

Evitam até mesmo correr o risco de sentir um amor de verdade, coisa que causaria uma perturbação nesse mundo organizado, e, daí, preferem mascarar tal ausência com uma simulação. Como atores de uma peça, fingem que estão apaixonados, reduzindo o amor ao ritual de trocar mensagens adocicadas e presentes obrigatórios em certas datas – e o fazem simplesmente para não morrer de tristeza.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Pérolas da Mitologia - A Beleza Interior


  A Corte de Paris e Helena - Jacques-Louis David

A lendária cidade de Tróia acabou sendo destruída pelos gregos por causa de Helena, a lindíssima esposa de Menelau, seduzida por Paris, o jovem e charmoso príncipe troiano. Depois de 10 anos de muitas lutas e peripécias, Tróia caiu e foi incendiada. Então Menelau pode voltar com Helena para Esparta, onde viveram felizes o resto de seus dias.

Muitos autores se esforçaram em demonstrar que Helena não era uma esposa infiel, capaz de abandonar o marido e os filhos na primeira oportunidade que apareceu. Para alguns, ela só fez aquilo por causa de Afrodite, a deusa do amor, que se apoderou de sua mente e fez dela marionete. Para outros ela foi levada a força, na ponta da espada, como acontecera com outras mulheres gregas antes dela. Uma terceira e curiosa versão dizia que Helena nunca pisara em solo troiano: ao fazer uma escala forçada no Egito, o faraó se indignou ao saber do seqüestro, reteve-a como hóspede e obrigou Paris a voltar sozinho para casa.

Quando os gregos, que desconheciam aquele fato, foram à Tróia exigir sua rainha, não acreditaram quando lhes disseram que ela ficara no Egito. Eurípedes ampliou esta versão, acrescentando que Helena ficou, sim, no Egito, mas Paris teria ido para casa levando, sem o saber, uma Helena falsa, um clone construído pelos deuses para punir os troianos.

Alguns daqueles autores queriam defender a imagem virtuosa de Helena apenas para justificar a naturalidade com que Menelau a recebeu de volta, tranqüilizando assim os maridos de toda a Grécia. Outros fizeram-no porque acreditavam nessa relação misteriosa que existe entre o nosso lado de dentro com o lado que aparece, e não acreditavam que alguém com tanta beleza, como Helena, pudesse ser uma pessoa vil e traiçoeira como pintavam.

O filósofo Montaigne também acreditava nessa relação do interior com a aparência, e aconselhava a nunca se desprezar a aparência, pois, dizia ele, assim como o sapato acaba assumindo a forma do pé que o calça, aquilo que se passa em nosso íntimo acaba aflorando na superfície. Diferente da pérola que vai crescendo no brilho sem que isso afete o lado externo da ostra, a beleza interior das pessoas, quando existe, nunca deixará de ser visível, especialmente no rosto. Essa região fascinante do corpo parece ser reservada para que brotem ali as flores do nosso espírito.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Pérolas Gregas - O sucesso alheio nos entristece



As Nove Musas

Eufêmia era uma ninfa do monte Hélicon, que recebeu dos deuses o encargo de cuidar das nove Musas recém nascidas. Em seguida deu à luz um menino que chamou Crocus. Mais tarde, esse menino se tornou um dos raros mortais que subiu aos céus e lá continua até hoje.

Ele foi criado junto com as Musas e cresceu em meio à beleza, seja nos bosques verdejantes onde vagava com seu arco certeiro, ou em casa, junto às suas meias-irmãs, quando as ouvia cantar. Para expressar a satisfação que sentia ao ouvir aquela música belíssima, ele se punha a bater palmas com tal entusiasmo que, até hoje, é considerado o inventor dos aplausos. Ele era mortal, mas as Musas agradecidas, pediram a Zeus que o levasse para o céu, onde ele brilha até hoje como a constelação do Arqueiro, que nós conhecemos como Sagitário.

Por outro lado, Momus foi um dos poucos deuses expulso do Olimpo. Ele era a personificação da crítica, do escárnio e da reprovação. Uma estória antiga diz que Zeus criou o primeiro homem, Posêidon criou o primeiro touro e Atena, a primeira casa. Como discutissem que teria feito o melhor trabalho, convocaram Momus para ser o juiz dessa questão. No entanto, ele ficou muito invejoso e despeitado com a habilidade daqueles três e tratou de encontrar defeitos na obra de cada um. Criticou Posêidon por não ter colocado os chifres do touro abaixo da linha dos olhos, para que o mesmo pudesse ver onde estava chifrando. Criticou Zeus por não ter feito uma janela no peito do homem, para que se pudesse ver se trazia o bem ou o mal em seu coração. Criticou Atena por não ter colocado rodas de ferro na casa, para que o morador pudesse levá-la para onde quisesse. Com Afrodite, então, chegou ao cúmulo. Chamado a opinar sobre sua beleza, Momus não encontrou um defeito, uma falha sequer para criticar. Então reclamou que as sandálias dela rangiam quando ela caminhava. Foi aí que Zeus o expulsou, considerando-o indigno de viver no Olimpo.

Pois o talento e a beleza dos outros nos dividem, entre aplausos e vaias, até hoje. As vezes aceitamos, tal como Crocus, admirar alguém que está acima de nós por seus atos ou qualidades, sem nos sentirmos despeitados. No entanto somos humanos e não merecemos viver lá no céu. Na maior parte das vezes, o brilho e o sucesso de nossos semelhantes nos diminuem e nos deixam infelizes. Então agimos como Momus, revelando-nos verdadeiros especialistas em buscar e apontar os defeitos, dando razão ao antigo filósofo que admitiu, corajosamente, que o bem dos outros nos entristece, mas seu mal só nos traz alegria.