quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Pérolas da Mitologia - Tempero do amor
A Ilíada é uma das versões mais conceituadas da Guerra de Tróia. Além do acontecimento principal, que nós já conhecemos, desenvolve uma série de estorinhas ao longo do enredo principal, cada uma mais fascinante do que a outra. Uma das melhores, diz que Hera adormeceu Zeus - seu marido e rei dos deuses do Olimpo - para alterar, enquanto ele dormia, o rumo da Guerra de Tróia. Acontece que o senhor do Olimpo acabara de proibir a interferência dos deuses naquele combate entre mortais. Seu decreto era claríssimo: " Que os homens lutem e decidam seu próprio destino". Hera sabia que tal ordem era endereçada principalmente a ela, conhecida inimiga dos troianos, como também sabia que Zeus vigiava, do alto do Monte Ida, o desenrolar da batalha que se travava na planície. Mas isso não a intimidou. Não iria desistir só porque ele proibiu. Ela conhecia as armas para vencê-lo.
Nua, diante do espelho, ela se preparou para outro tipo de guerra. Passou em todo o corpo um óleo sutilíssimo e perfumado, dividiu o cabelo em duas belas tranças e enfeitou as orelhas com brincos de ametista. Vestiu uma túnica levíssima e colocou nos quadris um cinto de franjas que se moviam ao caminhar. Estava pronta para o combate, mas ainda assim pediu a Afrodite a sua lendária fita do desejo (um talismã que enlouquecia qualquer homem que dele se aproximasse), amarrando-a na cintura. Assim deslumbrante ela foi apresentar-se aos olhos espantados de Zeus, que ficou enfeitiçado e arrebatado pela paixão. Ele queria fazer amor ali mesmo, mas ela, fingindo estar com vergonha, esquivava-se de seus abraços mais impetuosos, exigindo que ele cumprisse os rituais da sedução. Impaciente em convencê-la, disse que a desejava naquele instante como nunca havia desejado alguém antes. E surpreendentemente, fez uma inusitada enumeração de ninfas e mortais com as quais tinha dormido recentemente. Hera finalmente cedeu. Os dois se amaram ali mesmo, na relva, sobre um colchão de flores. Depois, Zeus pegou no sono e ela mudou o curso da guerra.
O tempo foi passando e Zeus continuava o mesmo. Um dia, cansada, Hera abandonou o Olimpo e voltou para sua terra natal, a ilha de Eubéia. Morto de saudade, Zeuas queria que ela voltasse. Como não sabia o que fazer, para reconquistá-la, foi humildemente consultar o homem mais sábio do mundo, que o aconselhou a esculpir uma imagem de mulher, vestí-la como noiva e circular por Eubéia numa carruagem matrimonial, anunciando que ia se casar com uma mulher bem mais jovem. Como era previsível, Hera, tão logo ouviu a novidade, apareceu em cena e pôs-se a rasgar as roupas da pretensa noiva. Ao perceber o estratagema, entendeu, entre orgulhosa e satisfeita, o objetivo de Zeus, e com ele reconciliou-se para sempre.
O segredo era o ciúme, esse licor venenoso que já destruiu tanta gente. Nele Zeus e Hera encontraram a força para viverem juntos. Para seduzí-la, lá no Monte Ida, ele apelou para o ciúme. Mais tarde o ciúme os separou, mas foi também pelo ciúme que Zeus a trouxe de volta. Se alguém perguntasse àquele sábio se essa é a receita para um bom casamento, ele diria sorrindo, que não existem receitas. O que é puro veneno para uns, pode ser tempero para outros.
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2 comentários:
Olá Cacau e Celso
Como os deuses são conveniente!
Manipuladores, ciumentos, egoístas e infantis.
Mas, se os deuses podem, porque não nós, pobres e falhos mortais?
O ser humano é ardiloso para justificar suas proprias limitações.
E a culpa ( ou justificativa )há séculos acaba na mão dos deuses....
Beijocas. Elisabeth
...d'alguns venenos extrai-se o próprio antídoto,o que nos prova a sua utilidade.bjs
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