(Narciso - Caravaggio)
Aconteceu que Eco era uma ninfa tagarela que vivia despreocupadamente nos verdes campos da Arcádia, até que o imprevisível destino a colocou no caminho de Hera. Zeus, namorador incurável, costumava descer do Olimpo até as encostas dos montes para divertir-se com as jovens e sedutoras ninfas. Hera, esposa ciumenta e vigilante, desconfiava dessas ´descidas periódicas de seu esposo e começou a segui-lo. Várias vezes esteve a ponto de surpreendê-lo, mas Eco sempre conseguiu desviá-la com sua conversa astuciosa, permitindo que Zeus retornasse às escondidas para o Olimpo. Quando Hera descobriu o que fazia Eco, castigou-a exemplarmente: retirou-lhe o poder da língua e deu-lhe sempre a última palavra, mas nunca a primeira. A partir de então, Eco não pode mais falar com ninguém, condenada a repetir apenas as últimas palavras que lhe dirigiam.
Foi assim, quase muda, que Eco se apaixonou pelo belo Narciso, que despertava o amor de todos que o viam, mas ele amava somente a si mesmo. Como Eco não podia falar com ele, começou a segui-lo por toda a floresta, onde ele vivia caçando com os amigos. Quanto mais o seguia, mais apaixonada ficava. Um dia ela o encontrou sozinho no meio de um espesso bosque. Seu coração transbordava de sentimentos que não podia expressar. Queria chamar o nome dele, declarar seu amor, dizer-lhe palavras meigas, mas não podia fazer isso. Então se pôs a suspirar e gemer com tamanho desespero que Narciso percebeu. Assustado, voltou-se para o verde impenetrável da floresta e perguntou quem estava ali. "Ali, ali, ali", respondeu ela entusiasmada. " Mas porque todo esse clamor?" "Amor, amor, amor", Eco respondeu. "Sofres tanto assim?". "Sim, sim, sim" era a resposta. "Venha, vamos caçar juntos", convidou Narciso. "Juntos, juntos, juntos", respondeu ela encantada com o que tinha conseguido dizer e, não mais se contendo, surgiu do meio da mata correndo para ele com os braços estendidos. Narciso, porém, repeliu-a como fazia com todas as outras, e fugiu, enojado de seus beijos.
Diante dessa repulsa, trêmula de vergonha, desapareceu por entre as folhagens, indo esconder-se no fundo das grutas e dos desfiladeiros, sufocada por uma tristeza infinita. Eco não sobreviveu. Seu corpo, sua pele, o brilho de seus olhos, tudo nela foi desaparecendo, ficando apenas os seus ossos e sua voz, segundo dizem, espalhados por cavernas e penhascos solitários. Ainda hoje é ela que, ao longe, nos responde quando gritamos alguma coisa em sua direção.
Mas, de certa forma Eco triunfou sobre Hera, que tentou encerrá-la na prisão insurpotável do silêncio e do não-dito. Com pedaços de palavras e restos de sílabas, ela conseguiu declarar seu amor por Narciso, e a sua voz ainda persiste, ecoando na paisagem, a nos lembrar que a verdadeira tortura é não dizer o que sentimos.
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