Olha só, na Grécia antiga costumavam dividir a humanidade em duas facções distintas e irreconciliáveis: os gregos, com sua língua e cultura superiores e, na outra parte, os bárbaros com seus costumes semi-selvagens e sua fala incompreensível.
O estrangeiro era sempre visto de forma estereotipada: o egípcio seria inconfiável, o frígio era covarde, o persa vivia no luxo decadente, o lídio era devasso, o cita era inculto e, assim por diante.
Os contatos com esses bárbaros, em vez de tornar o grego mais tolerante, serviam para reforçar o alto conceito que tinham de si mesmo, orgulhando-se por serem um povo que não tinha os defeitos que imputavam aos outros.
Meu pai, que não era grego, implicava com meu avô materno, que era espanhol, vivia no Brasil há mais de trinta anos e não falava uma palavra em português. O meu pai achava que os castelhanos tinham o rei na barriga e meu avô não falava português por pura arrogância. Meu avô não entendia o que papai falava e, este, sempre perdia a paciência com isso. "Não dá para falar com ele, meu pai dizia, é pura má vontade em me entender".
Mais tarde, no capítulo Linguística da cadeira de Português, quando estudei no Colégio Júlio de Castilhos, nos idos de 1958/59 e 60, percebi a injustiça que cometíamos com meu avô. Enquanto nosso idioma tem apenas cinco vogais (falamos de sons, não de letras). No português temos um "e" e um "o" abertos ao lado de um "e" e um "o" fechados, e usamos essas distinções em centenas de vocábulos, enquanto os espanhóis desconhecem essas vogais abertas. Além disso é mais fácil para a língua filha(português) entender a língua mãe(espanhol) do que o contrário. Logo, os diálogos entre meu pai e meu avô não eram parelhos, pois quem usa um sistema mais complexo (português) entende melhor quem usa um sistema mais simples (espanhol) mas o inverso não é verdadeiro. Quando percebi isso meu avô não estava mais conosco, não adiantando nada dizer ao meu pai para falar mais lentamente e desculpar as dificuldades do sogro dele, tendo em vista a inferioridade do sistema vocálico ao qual ele estava acostumado.
Pois aí está a mesma questão entre homem e mulher. O homem só percebe as palavras, enquanto a mulher lê também gestos, expressões faciais, linguagem corporal, e, em alguns casos, até pensamento.É como se os homens falassem com cinco vogais e as mulheres com vinte vogais, só que elas, como meu pai, não percebendo a descomunal desvantagem do sexo oposto, atribuem aos pobres homens uma má-vontade que na verdade eles não têm. Pior ainda quando elas resolvem se expressar numas dessas formas não verbais: os homens simplesmente não recebem a mensagem, reagem com indiferença, e elas ficam magoadas, ressentidas ou coisa pior. Por isso, como não deu para avisar meu pai, trato de avisar minhas filhas e netas: levem em conta as nossas limitações masculinas e falem conosco com mais paciência, de maneira mais pausada, mais explícita, usando mais palavras até, mas sem levantar a voz, porque surdos também não somos. Verão que podemos ser ótimos interlocutores, quando aparadas as diferenças linguísticas.
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