quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Mitologia e os Signos - Câncer



Para combater Hércules em seu oitavo trabalho, o Grande Caranguejo foi enviado para auxiliar a Hidra de Lerna nesta tarefa. Agarrou-se aos tornozelos de Hércules que quase sucumbiu não fora sua vontade de sobreviver. Após tamanho esforço, Hércules destruiu o caranguejo bem como a Hidra.

Este crustáceo foi, então, eternizado na constelação de Câncer.

As passagens acima apresentadas tem muito das características das pessoas nascidas entre "21 de junho" e "21 de julho", ascendente em Câncer e que tem a Lua como planeta importante no Mapa Natal.

Características de Câncer:

Sensível, introspectivo, complexo, sentimental, maternal, sensitivo, retraído, dificuldade de se libertar da figura materna, estabilidade adquirida pelos sentimentos, enfrentam indiretamente o inimigo, cíclicos, gostam de coisas antigas, recordações, antiguidades, procriação, intuição, libertação através da carreira, imaginação, gostam de colecionar bichos de pelúcia, tem contato com sua criança interior, quando feridos podem se autosabotar, as vezes inseguros diante de suas reais possibilidades, perseverança, gostam de crianças, costumam ter boa memória, gostam de plantas e animais e o contato com a floresta refaz suas energias, muito ligados a família, às raízes, aos ancestrais, o sexo pode ter um caráter lúdico que propriamente físico, procuram no companheiro camaradagem, a grande Mãe.

Símbolo: Caranguejo

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Mitologia e os Signos - Gêmeos



Exilado na Etólia, Tíndaro, o rei de Esparta, apaixonou-se por Leda, a filha do rei. Casaram-se e, na noite de núpcias, Leda foi banhar-se no lago encantando Zeus, o senhor do Olimpo. Este disfarçou-se em um belo animal que copulou com Leda. Na mesma noite, Leda foi ter com seu esposo tendo sido fecundada então, duas vezes.

Após meses, foram gerados Pólux e Helena e, Cástor e Clitemnestra. Os dois primeiros foram considerados como filhos de Zeus e, os dois últimos como filhos de Tíndaro.

Assim sendo, Pólux era imortal e Cástor semimortal. Na festa de casamento dos sobrinhos de Tíndaro, Pólux e Cástor tentaram raptar as noivas e Cástor foi assassinado.

Desesperado com a falta do irmão, Pólux suplicou a Zeus que lhe retirasse a imortalidade para que pudesse encontrar-se novamente com seu irmão. Foi então permitido por Hades, que os gêmeos pudessem alternar a imortalidade podendo ficar juntos algum tempo.

Cada uma das passagens apresentadas tem muito das características das pessoas que tem a data de nascimento compreendida entre "21 de maio" e "20 de junho", ascendente em Gêmeos e que tem Mercúrio como planeta importante no Mapa Natal.

Características de Gêmeos:


Versatilidade, adaptabilidade, curiosidade e esperteza, agilidade e destreza manual, grandes observadores, engenhosos, astutos, prolixidade, persuasão, criatividade, francos, verdadeiros, negociantes, inteligência prática, comunicação, movimento, geniosos, ensino, buscam novas formas de lidar com o estabelecido, aventureiro, jovial, lado etéreo em constante conflito com o racional.


Símbolo: Dois gêmeos

domingo, 20 de dezembro de 2009

Mitologia e os Signos - Touro (Mito I)


Constelação de Touro

Afrodite, a nascida das espumas, era filha de uma mistura do sêmen de Urano e da água do mar. Era cultuada em Roma como Vênus, deusa do amor e da beleza. Indolente e caprichosa preferia o prazer ao trabalho árduo. Vingava-se daqueles a quem não conseguia seduzir. Apesar de bela e irresistível, Afrodite foi obrigada a casar com Hefestos. Este era feio e coxo, embora fosse hábil. Cubria Afrodite das mais belas jóias e, ainda assim, a bela deusa traiu seu esposo de várias maneiras. Seu grande amante foi Ares, com quem gerou quatro filhos: Eros (Amor), Harmonia, Deimos e Fobos.

O grande amor de Afrodite, no entanto, foi Adônis. Este foi entregue a Perséfone para criá-lo. Apaixonada também pelo rapaz, Perséfone contou a Ares da traição de Afrodite. Ares transformou-se num animal selvagem e quando Adônis saiu para caçar foi atacado e morto pelo amante enciumado. Assim, Afrodite sentiu a mesma dor que impusera a todos os seus amantes, naquele momento em que Adônis morrera.

As passagens apresentadas tem muitas das características das pessoas que tem a data de nascimento compreendida entre "21 de abril" e "20 de maio", ascendente em Touro e que tem Vênus como planeta importante no Mapa Natal.

Características de Touro:

Fertilidade, estabilidade, fixação, posse, paciência, reações emocionais violentas frente a perda de suas posses, jogos de sedução, consciência material, impulso sexual profundo, necessidade de ter primeiro a prática para após elaborar o compromisso, a experiência do aqui e agora, o perfume, o toque e todas as sensações são bem percebidas por este signo. Podem agir sem medir as conseqüências de seus atos. Buscam a experiência arquetípica do amor e teimosia.
O lado sombrio é caracterizado pelo desejo de vingança, são capazes de abrir mão de coisas valiosas em nome do amor, tem liberdade de escolha pois não se preocupam com a continuidade, são bons anfitriões, tem dotes culinários, gostam de plantar, são tranqüilos, possuem paixão e ciúme pelas posses e pessoas queridas, tem necessidade de segurança através dos bens materiais.

Símbolo: Touro

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Mitologia e os Signos - Áries (Mito I)


Constelação de Ares

A Astrologia muitas vezes se vale da Mitologia Grega para traçar paralelos entre os vários signos e suas origens e comportamentos. As vezes ocorre de mais de um mito influenciar um único signo. Este é o primeiro post de uma série, onde pretendemos mostrar tantos quantos mitos encontrarmos, relacionados aos signos astrológicos. As fontes são várias, desde livros especializados até artigos que encontramos na Internet.

Segundo o primeiro mito então, Ares o deus da guerra, filho de Zeus e Hera, descia do Olimpo em seu carro de fogo.

Os romanos o clamavam como Marte. Encarna o espírito da batalha expressando-se através da força bruta. Vivia em Trácia, um país povoado de cavalos selvagens e guerreiros. As amazonas, habitantes também de Trácia eram tidas como descendentes de Ares.

Este deus impetuoso e audaz não valorizava a ideologia. Lutava indiscriminadamente vencendo os obstáculos a qualquer preço. Não tem o senso de justiça aperfeiçoado. Estimula uma ação física imediata aos ímpetos emocionais. Vivia intensamente o momento.

Certamente um virtuoso guerreiro, armado da cabeça aos pés. Ares foi pouco cultuado na Grécia. Tinha poucos templos, sendo um deles na cidade de Esparta.

Em Roma, já com nome de Marte, foi inicialmente cultuado como deus agrícola associado a tempestades mas pouco depois foi tratado como deus guerreiro. Tornou-se grandioso na época da expansão romana. Após cada vitória eram realizadas festas em seu nome.

Como princípio masculino, Ares era um grande conquistador tendo tido muitos filhos, frutos de suas aventuras amorosas. Porém, dedicou-se como amante carinhoso a Afrodite, deusa do amor e da beleza. Da união de Ares e Afrodite nasceram quatro filhos: Amor, Harmonia, Deimos e Fobos.

Cada uma das passagens apresentadas tem muito das características das pessoas que tem a data de nascimento compreendida entre "21 de março" e "20 de abril", ascendente em Áries e que tem Marte como planeta importante no Mapa Natal.

Características de Áries:


Liderança, iniciativa, coragem, franqueza (as vezes inoportuna), individualidade, energia vital, rapidez, lidam de forma distanciada de suas emoções, desafios, disposição para começar coisas novas, reações intensas e apaixonadas, lutas, amor à vida, dificuldade em observar pela necessidade constante de ação, dificuldade em entender as reações dos outros, a relação amorosa costuma ser apaixonada, sensual, liberada, impaciência, pioneirismo, ingenuidade, agressividade, luta para manter territórios, autêntico, firme decisão,lançam-se aos perigos com a certeza da vitória. Muitas vezes não concluem os desafios.


As mulheres podem abrir mão de características sociais consideradas femininas para atingirem outros objetivos, sabem viver sozinhos, gostam de estar com os amigos, sua equipe de trabalho, preferem agir sozinhos em seus afazeres. As mães arianas estimulam a independência de suas filhas. Às vezes as atitudes de mulheres arianas assustam os homens. São diretas, francas e não fazem jogos de sedução.


Símbolo: Carneiro

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Pérolas da Mitologia - Leda e o Cisne


Leda e o Cisne - Leonardo Da Vinci

Leda era uma jovem e bela princesa, recém-casada com Tíndaro, herdeiro do reino de Esparta. Gostava de deitar-se na relva, apreciando o canto dos pássaros e expunha seu corpo aos raios do sol, sob olhares indiscretos dos deuses.

Certa vez, Zeus ia a caminho da cidade de Tróia e encontrou Leda deitada seminua na relva e parou para contemplá-la de longe. Temendo assustá-la com sua figura gloriosa e resplandecente, Zeus transforma-se em um cisne imenso e de bela plumagem para poder cortejar a princesa. O deus supremo temia também que, por ser a bela princesa recém-casada, provavelmente o repeliria.

Ao ver o belo cisne se aproximando, Leda senta-se e começa a observá-lo. Diante dos olhos da princesa, o cisne começa a mover suas belas plumas com grande excitação, movimenta seu corpo em uma dança de vai e vem que mostra seu desejo e soa sua voz delicada, emitindo sinais de atração e paixão. Leda estava fascinada e o cisne aproximou-se mais e começou a tocá-la e acariciá-la com suas plumas e seu longo pescoço. Excitada, Leda deitou-se novamente na relva e aguardou que o cisne se deitasse sobre ela, e então se amaram. Na mesma noite, Leda foi ter com seu esposo, tendo sido fecundada então, duas vezes.

Meses depois a princesa sente fortes dores e percebe que de seu ventre haviam saído dois ovos: do primeiro, nascem Castor e Helena (filhos de Tíndaro), do segundo, Pólux e Clitemnestra (Filhos de Zeus). Porém Hera, irmã e esposa de Zeus, com ciúmes, persegue e proíbe Leda de viver no reino. Assim, Zeus compensa Leda, convertendo-a em deusa e reservando-lhe um espaço no céu, na forma de uma estrela na constelação de Cisne.

Os filhos de Leda, Castor e Pólux, tornam-se grandes guerreiros e amigos inseparáveis. Porém Castor (que herdou a mortalidade humana) perde a vida em uma batalha e Pólux (que herdou a imortalidade divina) suplica a Zeus que devolva a vida do irmão. Comovido com esta demonstração de amor fraterno, Zeus propõe a Pólux dividir sua imortalidade, alternando com o irmão um dia de vida e um dia de morte.

Assim os irmãos passaram a viver e a morrer alternadamente e Zeus os homenageia com a constelação de Gêmeos, na qual não poderiam ser separados nem com a morte.
 
O mito não conta o que aconteceu com Tíndaro, o marido traído. Certamente não seria nada fácil ir contra Zeus em algum tipo de rebelião. Fico imaginando o quanto ele realmente amava Leda, se teria sido capaz de perdoá-la diante do irresistível apelo do deus maior. Às vezes, por mais difícil que pareça, o perdão aproxima o amor e o torna imortal. Difícil é a vida e seus obstáculos, o perdão pode ser libertador e unir para sempre o que um dia um momento de fraqueza separou.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Pérolas da Mitologia - O Rapto de Europa


O Rapto de Europa - Rubens

Há muito tempo atrás, havia no reino de Tiro um rei, Agenor, cuja filha era muito bela. O nome dela era Europa, e Zeus apaixonou-se perdidamente por sua beleza.

Movido por enorme determinação, Zeus decidiu utilizar-se de seu estratagema principal, ou seja, o de se metamorfosear em algum ser ou coisa. Por alguma razão, Zeus jamais aparecia diante das suas eleitas na sua forma pessoal, preferindo assumir sempre outra aparência qualquer. Assim, depois de muito pensar, decidiu transformar-se num grande touro, branco como a neve. Completada a transformação, Zeus desceu a Terra envolto numa grande nuvem.

Em uma das praias do rei de Tiro, um rebanho dócil de touros pastava num relvado próximo ao mar e sem que ninguém percebesse, uma grande nuvem foi se aproximando, até que dela desceu o grande touro, indo colocar-se em meio aos demais.

Ali esteve misturado aos demais, contrastando em relação ao pêlo escuro dos outros touros, até que de repente a bela Europa surgiu com suas amigas, rindo e cantando por entre as areias da praia. As suas companheiras eram belas, também, mas assim como Zeus destacava-se em seu rebanho, a filha de Agenor destacava-se em meio ao seu encantador e animado grupo. Era uma manhã luminosa, o sol brilhava sem ferir os olhos, e o céu tinha um tom manso e azulado como os olhos do touro, que observavam, atentos, a aproximação de sua amada.

Ao ver o grande touro branco, a jovem, destacando-se do grupo, avançou correndo, levantando a barra da sua túnica rendada, que lhe descia até um pouco abaixo dos joelhos. Quando chegou perto de Zeus, seus seios arfavam sob a fina gaze de suas vestes. Os grandes olhos azuis do touro branco pousaram sobre a face corada de Europa, de tal modo que a moça não pode deixar de observar o seu intenso brilho.

Todas as amigas ajuntaram-se em torno ao animal, que, no entanto, tinha seus grandes olhos azuis postos somente sobre a bela filha do rei. A moça, postando-se ao lado dele, começou a alisar o pelo sedoso de seu dorso branco, enquanto admirava os seus pequenos e delicados cornos, que tinham o brilho cristalino das melhores pérolas. Embora o aspecto do animal fosse suave, a sua musculatura era rija, o que Europa pôde comprovar ao alisar o seu pescoço.

Retirando-o do grupo, Europa levou-o para passear nas areias da praia, dando-lhe com as mãos algumas flores, que o touro comeu alegremente. Depois, ele pôs-se a correr ao redor da moça, enquanto as outras o perseguiam, fazendo-lhe festas e agrados.

Como o sol começasse a se tornar quente demais — pois era o auge do verão —, as moças, cansadas momentaneamente da brincadeira, despiram-se para dar um breve mergulho no mar. Europa, entretanto, preferiu ficar na areia, a brincar com seu touro branco. Assim, enquanto suas amigas banhavam-se, Europa colhia outras flores, compondo com elas uma bela grinalda que depositou em seguida sobre os chifres do animal. Depois, montada sobre as suas costas, foi conduzida por ele num trote manso. Enquanto o animal a levava, emitia um pequeno mugido, em sinal de orgulho e satisfação.

Zeus então entrou no mar e, apesar dos gritos das amigas de Europa, seguiu com passos firmes, avançando mar adentro, deixando atrás de si as mulheres pela praia, a sacudir os braços, impotentes. Imaginando que o touro enlouquecera, temeram que tanto Europa quanto o animal terminariam afogados, logo que ultrapassassem a rebentação. Surpreendentemente, porém, o touro rompeu as ondas, lançando-se num trote ainda mais ágil do que aquele que usara nas areias fofas da praia. E assim se afastou cada vez mais da praia, enquanto Europa procurava manter-se agarrada aos chifres de seu seqüestrador.

A jovem suplicava para que parase, apavorada. De repente, porém, tendo já avançado imensamente pelo oceano, o touro voltou para trás a cabeça e começou a conversar com a assustada Europa.

— Nada tema, bela Europa! — disse o animal. — Eu sou Zeus e a levo comigo para a ilha de Creta, onde casaremos e você será honrada com uma ilustre descendência.

Europa, mais calma, manteve-se agarrada aos chifres de seu futuro marido. Dentro em pouco chegaram ambos a ilha que o deus dos deuses anunciara. Tão logo teve os pés postos sobre o chão outra vez, Europa viu o touro branco assumir a forma esplendorosa de Zeus. Impaciente, o deus supremo carregou-a para dentro da ilha, enquanto Europa ainda tentava ensaiar alguma reação. Das núpcias deste casal surgiriam três lindos filhos, dentre os quais Minos, futuro rei de Creta.

Muitas vezes o amor é assustador e segue por caminhos tortuosos afastando os casais paixonados quando se deparam com dificuldades e obstáculos. O medo da desilusão, o conselho temeroso de amigos(as), a imaturidade, enfim, são tantas as armadilhas que nos fazem desistir do difícil caminho do amor. Mas àqueles que seguem firme no propósito de construir uma relação, agarram-se aos chifres de seu sequestrador, enfrentam as ondas do mar com as forças de quem acredita, de quem tem fé. Só assim se contrói uma relação amorosa verdadeira. Aquela que sobrevive às dificuldades, aquela que se reconstrói a cada dia, seguindo sempre em direção ao amor verdadeiro.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - A Esperança é uma Ilusão


Pandora, de Jules Joseph Lefebvre

Segundo o historiador Hesíodo (por muitos considerado o primeiro machista da história), os gregos acreditavam que no início do mundo as mulheres não existiam. Os homens levavam uma vida de abundância e despreocupação, passando incontáveis anos nessa bem-aventurança, sem conhecerem a dor, a doença, o ódio e a inveja, até que, um dia, adormeciam para nunca mais acordarem. Até que a chegada de Pandora, uma espécie de Eva criada pelo Olimpo, veio alterar completamente aquele Paraíso.

Para o misógino Hesíodo, tudo foi uma vingança de Zeus, furioso porque os homens tinham recebido de Prometeu o segredo do fogo. Outros escritores mais filosóficos, diziam que os deuses estavam apenas entediados com aquela situação e, por pura diversão, mandaram a mulher para acabar com aquela monotonia reinante aqui na terra. Com a consequência daquela decisão, todas as versões acabaram concordando: Pandora passou a viver com o irmão de Prometeu, que a recebeu como uma verdadeira dádiva divina, tornando-se o primeiro marido apaixonado da história. Foram felizes por muito tempo, até que Hermes, o mensageiro dos deuses, um dia veio entregar a eles uma caixa misteriosa que viria a modificar para sempre o destino da humanidade.

Aquela caixa tinha a tampa lacrada com cera e Hermes pediu para eles a guardarem zelosamente até que ele viesse a buscá-la, mais tarde, recomendando que não deveriam abri-la em hipótese alguma. Essa foi a armadilha: sem que suspeitassem, Zeus havia colocado dentro da caixa todos os males que o mundo ainda desconhecia: o Medo, o Sofrimento, o Trabalho, o Frio, a Fome e todos os demais, esperando que a curiosidade de Pandora vencesse aquela recomendação de Hermes. Não deu outra: atraída pelo zumbido misterioso que saia da caixa, ela aproveitou um descuido do marido e levantou um pouquinho a tampa para ver o que havia lá dentro. Foi o suficiente para que aqueles males todos saíssem pela fresta cobrindo Pandora e seu marido de ferroadas insurpotáveis e espalhando-se pelo mundo, qual um enxame de abelhas furiosas. Foi então que uma vozinha suave chamou de dentro da caixa: era a simpática Esperança, a única que tinha ficado para nos confortar.

Mas, possivelmente, esse era o agente mais perverso da vingança de Zeus. Quando a esperança toma conta de nós, fazendo com que tenhamos, diante das promessas sempre generosas do futuro, o esquecimento da alegria de viver plenamente o presente, que passa a ser provisório e sem graça, transformando-nos numa daquelas pessoas que perdem os seus dias pensando na noite e suas noites pensando na aurora.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - Lição para os poderosos



Creso Recebendo Tributo, de Claude Vignon.

O poderoso e riquíssimo rei da Lídia, jamais esquecia de agradar os deuses. A eles Creso dedicava templos esplendorosos, mas não descuidava das artes e da ciência. Por isso, convidava para sua corte os grandes mestres da época, aos quais recompensava generosamente pelos ensinamentos que ministravam. Dessa forma veio a conhecer Sólon, um dos sete sábios daquela época. Aquele sábio aceitou o convite, mais por curiosidade do que pelo dinheiro. Na corte, Sólon foi convidado a visitar todas as dependência do palácio e arredores, para que pudesse avaliar como era rico era seu hospedeiro. Depois daquela visita, foi levado à presença do próprio Creso, que o aguardava em seu trono de ouro, coberto por um manto cravejado de pedras preciosas.

"Então, Sólon, conheces alguém mais feliz do que eu?" perguntou o rei. "Sim", respondeu o filósofo surpeendendo o monarca. "Existe um tal de Télus, um ateniense do povo, que era um homem de bem, assim como seus filhos, aos quais todos nós respeitávamos. Era um cidadão exemplar que morreu com a espada nas mãos, defendendo Atenas contra os invasores".

Creso, sentindo-se diminuído com a resposta, resolveu insistir. " E eu, tu não me achas feliz?" Sólon sacudiu a cabeça: "Hoje, talvez. Mas amanhã, quem vai saber? A vida traz muitas surpresas: é preciso aguardar a última cena". Considerando-o um grosseirão, Creso dispensou-o e mandou levá-lo de volta para a Grécia.

Anos depois, levado pelo orgulho, Creso declarou guerra aos persas do grande conquistador Ciro, sendo por este fragorosamente derrotado e feito prisioneiro. Os persas levantaram uma grande pira, amarraram Creso sobre ela e puseram fogo na madeira seca. Ali, esperando a mordida fatal das chamas, Creso lembrou aquelas palavras de Sólon. Com um suspiro que atravessou o silêncio dos que assistiam à cena, Creso olhou para o céu e exclamou queixosamente, o nome de Sólon por três vezes. Curioso, Ciro mandou seus intérpretes perguntarem a Creso que deus era aquele que ele, Ciro, não conhecia. Quando soube que era um dos sete sábios, mais intrigado ficou. "Espera que ele venha salvá-lo"? "Não, disse Creso, é que finalmente entendi a lição que ele me deu" - e contou seu encontro com Sólon anos atrás. Ciro, comovido pelo que ouvira, mandou que tirassem Creso da pira. Tinha enxergado a si próprio naquele homem derrotado, esfarrapado, enegrecido pela fumaça, que tinha sido um rei poderoso como ele. E fez mais: tomou Creso por conselheiro, para que nunca o deixasse esquecer que a felicidade é fugaz, mas a sabedoria é para sempre.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - A Arma mais Poderosa


(Mosaico em Pompéia - Naples National Archaeological Museum)

A Grécia antiga era formada por cidades estados. Ocupavam o mesmo território e falavam a mesma língua, mas havia muita rivalidade e disputas entre elas, muitas vezes descambando para guerras violentas. Nas guerras entre Atenas e Esparta, ou contra o formidável exército dos persas, a imaginação grega concebeu a falange, uma formação de soldados a pé, agrupados em várias fileiras compactas, que marchavam ombro a ombro, onde cada soldado levavaum escudo no braço esquerdo e uma lança no direito. O segredo do sucesso daquela formação, é que um dependia do outro para sobreviver nas batalhas. Um soldado da linha da frente sabia que o seu escudo devia proteger o companheiro que estava à sua esquerda, enquanto ele próprio era protegido pelo escudo do companheiro à sua direita. A vitório no combate, dependia da capacidade da falange manter a sua formação durante a luta. Não podia haver brechas, e, se alguém da frente caísse, seu lugar devia ser imediatamente tomado por um soldado da segunda linha. A marcha tinha um compasso marcado pela música de um flautista, porque era fundamental que as fileiras se movessem ao mesmo tempo, como se fosse um só homem. Dizem as testemunhas da época que era impressionante o espetáculo de uma falange de espartanos, com seus mantos vermelhos e suas armaduras brilhantes, em trote curto e decidido, com as lanças em posição de ataque, avançando pela planície como um monstruoso ouriço com os espinhos levantados.

Os inimigos respeitava muito aquelas falanges, mas pareciam atribuir as vitórias dos gregos a uma outra arma muito mais perigosa. Quando Xerxes foi obrigado a recuar para a Pérsia com seu exército, levou consigo todos os livros que estavam na grande biblioteca pública de Atenas: ele estava convencido de que os gregos, uma vez privados de seus livros, estariam também privadosde seu espírito nacional e de seu valor combatente.

Décadas depois, numa de suas intermináveis guerras internas, os mitilênios derrotaram os atenienses e foram impiedosos com os vencidos: proibiram-nos de educarem os filhos, privando-os do estudo das letras e da música, porque "não havia maior castigo do que condená-los a viver na ignorância".

O próprio Felipe, rei dos macedônios e um dos maiores guerreiros do mundo antigo, pensava como um grego e foi por isso que escreveu a Aristóteles, no dia em que nasceu seu filho Alexandre Magno: "De Felipe a Aristóteles, saudações. Quero que saibas que acaba de nascer meu filho, e que agradeço aos deuses por te-lo feito nascer na mesma época em que tu vives, pois espero que, educado e formado por ti, ele possa se mostrar digno de seu pai e do império que ele vai dirigir um dia".

Há vinte e cinco séculos atrás eles já sabiam - os persas, os mitilênios, os gregos e os macedônios - que é no rigor do estudo e no prazer da leitura que se trava o verdadeiro combate pelo futuro de um povo. E pensar que hoje em dia, neste triste Brasil, ainda tem gente que não sabe disso.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - Orelhas de Burro


(Midas ouve Pan - Johann Georg Bergmueller )

Dizem que o rei Midas, da Frígia, era um sujeito um tanto atrapalhado que ousou afirmar um dia, que flauta tocada pelo sátiro Marsias era muito mais melodiosa do que a harpa tocada por Apolo. O deus da música, quando soube disso, ficou furioso e castigou aquela afronta fazendo as orelhas de Midas crescerem longas e peludas, ficando iguais à orelhas de burro. Para ocultá-las, o rei colocou na cabeça um barrete vermelho do tipo que os camponeses frígios costumavam usar naquela época. Aconteceu que, depois de um ano, o cabelo do rei tinha crescido tanto que ele precisou chamar um barbeiro ao palácio.

Com ar ameaçador, Midas conduziu o homem a uma peça sem janelas e chaveou a porta por dentro. Qundo tirou o barrete e deixou as longas orelhas à mostra, o barbeiro começou a trabalhar com suas tesouras como se nada notasse de diferente. Ao terminar o corte, Midas avisou-o que aquilo era segredo de estado: se contasse para alguém o carrasco real iria separar a sua cabeça do tronco. O barbeiro, aparentando indiferença, disse: " Não sei do que Vossa Majestade está falando, pois eu nada vi nesta sala que já não tivesse visto antes". O rei ficou tão satisfeito com a resposta que pagou-lhe várias vezes o valor do corte. Então o barbeiro saiu do palácio com as pernas bambas, percebendo que havia estado muito perto da morte.

Pouco a pouco aquele segredo começou a pesar tanto para o pobre barbeiro que o mesmo acabou ficando mais infeliz do que o rei orelhudo. Precisava contar aquilo para alguém, dividir aquele peso insuportável, aliviar sua mente. Mas temia ainda mais a espada do carrasco. Continuou a sofrer até que um dia, teve uma inspiração. Afastou-se o mais que pode da cidade e, lá longe, na curva deserta de um rio, cavou um buraco na margem, ajoelhou-se na areia úmida e sussurou ao buraco tres vêzes: "Midas tem orelhas de burro".

Depois disso, aliviado, repôs a terra cuidadosamente, cobrindo assim as perigosas palavras que tinha proferido, e retornou em silêncio para casa. Mas bem ali, naquele ponto onde cavou o buraco, algum tempo depois nasceu uma touceira de juncos que, na primavera seguinte, quando o vento agitava suas hastes flexíveis, faziam um barulho que parecia reproduzir na linguagem deles, o segredo que tinha sido confiado à terra: "Midas tem orelhas de burro". E o vento espalhou aquele segredo pelos campos, e os campos o repetiu para os cascos dos cavalos que por ali passavam, em direção à cidade, e a cidade o repetiu nas esquinas, nas feiras e no mercado, até que todos se inteirassem daquele fato.

Midas foi um grande tolo, como tolo são todos os governantes que pensam que podem ocultar, com dinheiro e ameaças as suas orelhas de burro, pois, bem mais cedo do que imaginam, o vento espalhará pela cidade os segredos e as verdades que em vão tentam esconder. Parece que isso está acontencendo hoje em dia, no nosso Congresso Nacional.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Pérolas da Mitologia - Tempero do amor



A Ilíada é uma das versões mais conceituadas da Guerra de Tróia. Além do acontecimento principal, que nós já conhecemos, desenvolve uma série de estorinhas ao longo do enredo principal, cada uma mais fascinante do que a outra. Uma das melhores, diz que Hera adormeceu Zeus - seu marido e rei dos deuses do Olimpo - para alterar, enquanto ele dormia, o rumo da Guerra de Tróia. Acontece que o senhor do Olimpo acabara de proibir a interferência dos deuses naquele combate entre mortais. Seu decreto era claríssimo: " Que os homens lutem e decidam seu próprio destino". Hera sabia que tal ordem era endereçada principalmente a ela, conhecida inimiga dos troianos, como também sabia que Zeus vigiava, do alto do Monte Ida, o desenrolar da batalha que se travava na planície. Mas isso não a intimidou. Não iria desistir só porque ele proibiu. Ela conhecia as armas para vencê-lo.

Nua, diante do espelho, ela se preparou para outro tipo de guerra. Passou em todo o corpo um óleo sutilíssimo e perfumado, dividiu o cabelo em duas belas tranças e enfeitou as orelhas com brincos de ametista. Vestiu uma túnica levíssima e colocou nos quadris um cinto de franjas que se moviam ao caminhar. Estava pronta para o combate, mas ainda assim pediu a Afrodite a sua lendária fita do desejo (um talismã que enlouquecia qualquer homem que dele se aproximasse), amarrando-a na cintura. Assim deslumbrante ela foi apresentar-se aos olhos espantados de Zeus, que ficou enfeitiçado e arrebatado pela paixão. Ele queria fazer amor ali mesmo, mas ela, fingindo estar com vergonha, esquivava-se de seus abraços mais impetuosos, exigindo que ele cumprisse os rituais da sedução. Impaciente em convencê-la, disse que a desejava naquele instante como nunca havia desejado alguém antes. E surpreendentemente, fez uma inusitada enumeração de ninfas e mortais com as quais tinha dormido recentemente. Hera finalmente cedeu. Os dois se amaram ali mesmo, na relva, sobre um colchão de flores. Depois, Zeus pegou no sono e ela mudou o curso da guerra.

O tempo foi passando e Zeus continuava o mesmo. Um dia, cansada, Hera abandonou o Olimpo e voltou para sua terra natal, a ilha de Eubéia. Morto de saudade, Zeuas queria que ela voltasse. Como não sabia o que fazer, para reconquistá-la, foi humildemente consultar o homem mais sábio do mundo, que o aconselhou a esculpir uma imagem de mulher, vestí-la como noiva e circular por Eubéia numa carruagem matrimonial, anunciando que ia se casar com uma mulher bem mais jovem. Como era previsível, Hera, tão logo ouviu a novidade, apareceu em cena e pôs-se a rasgar as roupas da pretensa noiva. Ao perceber o estratagema, entendeu, entre orgulhosa e satisfeita, o objetivo de Zeus, e com ele reconciliou-se para sempre.

O segredo era o ciúme, esse licor venenoso que já destruiu tanta gente. Nele Zeus e Hera encontraram a força para viverem juntos. Para seduzí-la, lá no Monte Ida, ele apelou para o ciúme. Mais tarde o ciúme os separou, mas foi também pelo ciúme que Zeus a trouxe de volta. Se alguém perguntasse àquele sábio se essa é a receita para um bom casamento, ele diria sorrindo, que não existem receitas. O que é puro veneno para uns, pode ser tempero para outros.

sábado, 31 de outubro de 2009

Selinho



Ganhamos esse selinho do Fernando, do blog Falando.com. Bem fofo Fernando, agradecemos muito!

O selo vem com uma regrinha, devemos listar 10 coisas que não saem da nossa cabeça e também indicar 10 blogs. Então vamos lá, vou ter que listar sozinha, pois meu pai está no sítio:

1. Minha família
2. Busca por sabedoria
3. Uma vida melhor para todos
4. Mais paz e menos ganância
5. Um mundo sem fome
6. Crianças felizes
7. Ser uma pessoa melhor todos os dias
8. Levar alegria e calor humano por onde eu for
9. Mitologia Grega
10. Conhecer novos lugares e novas pessoas

Os 10 blogs que não me saem da cabeça, vou começar a lista aos poucos...:

1. Mosaicos do Sul
2. Velejando nas Letras
3. Morena de Pintas
4. Vintage Blog
em construção...

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Pérolas da Mitologia - Amar é perigoso


(Eros e Psique - William Adolphe Bouguereau)

Procurado por todos, em todas as épocas, o amor sempre foi visto como um perigo incontornável. Todos respeitam o seu poder, ninguém o considera inofensivo. Apesar de sempre desejado, sabemos todos quão facilmente ele pode se transformar em dor e sofrimento. Ao longo de sua já longa história, a humanidade aprendeu muito bem essa lição, não sendo por acaso que todas as línguas do mundo falam nas "feridas do amor", que doem demais, custam muito a sarar e deixam cicatrizes para sempre. Os gregos, com sua incomparável imaginação, expressaram isso tudo, muito bem, no belo mito de Psiqué e de Eros, o jovem deus do Amor.


Psiqué era tão bonita que os próprios poetas não tinham palavras para descrevê-la. Embora seus pais fossem mortais, as pessoas que a viam ficavam tão estupefatas com sua beleza que a tomavam por uma filha da própria deusa Afrodite. Sua fama tanto se espalhou que vinham pessoas de todas as partes para prestarem devoção àquela nova divindade. Quando Afrodite percebeu aquela concorrência, ficou furiosa: convocou seu filho Eros, o belo deus de asas brancas, que vivia percorrendo os palácios e as aldeias a semear, com suas flechas invisíveis, a desconcertante loucura do amor. "Vais castigá-la por mim, fazendo com que ela se apaixone pelo mortal mais desprezível", ordenou a deusa, sem imagirnar a reviravolta que seu plano teria. Ao ver a linda Psiqué adormecida, Eros ficou tão perturbado que deixou cair sobre o próprio pé a flecha que ia lançar. O feitiço atingiu o feiticeiro e ele se apaixonou perdidadmente pela princesa.

Ao final de tudo, depois de muitas peripécias, a jovem vai se tornar imortal e os dois viverão felizes para sempre. Antes disso, porém, houve um momento em que Psiqué pensou que jamais iria casar. Intimidados por sua beleza, os homens a admiravam à distância, mas não ousavam se aproximar. Então, o pai dela, preocupado com aquela situação, foi perguntar ao oráculo de Apolo se ela se casaria um dia. A resposta o aterrorizou: "Não é com um homem que ela se casará, mas com um monstro cruel, feroz e traiçoeiro, que voa pelos ares e a todos queima com sua chama e fere com suas pontas aguçadas". Nós, que já conhecemos a estória, sabemos que o oráculo se referia a Eros - e não estranhamos as sombrias palavras que ele usou para se referir ao amor, porque sabemos que é assim mesmo. Amar é tão fascinante e perigoso quanto caminhar pela borda de um vulcão, mas é sempre um belo risco a correr.

domingo, 25 de outubro de 2009

Pérolas da Mitologia - Um simples abraço


(Óleo sobre tela de Cornelis Cornelisz van Haarlem)

Os antigos gregos, que inventaram a mitologia grega com todas aquelas estórias incríveis, ainda possuiam, ao lado da criatividade, um profundo conhecimento da natureza humana. Na imaginação daquela gente, o mundo estava povoado de incontáveis divindades femininas, solteiras e disponíveis: os campos e os bosques estavam habitados pelas ninfas, enquanto as profundezas dos oceanos e as espumas das ondas eram habitadas pelas nereidas - todas elas belas e misteriosas, exercendo seu fascínio sobre todos, homens ou deuses, que atravessassem seu caminho. Ao vê-las, muitos se deixaram tomar pelo amor ou pelo desejo, mas poucos conseguiram conquistá-las. Peleu, que viria a ser o pai de Aquiles, grande herói da Guerra de Tróia e pintado como o maior guerreiro de todos os tempos, foi um dos poucos que tiveram sucesso.


A sua eleita, Tétis, era a mais bela entre todas as nereidas. Ela costumava aparecer completamente nua numa pequena baía deserta da Tessália, cavalgando um golfinho amestrado. Ali, na solidão de uma pequena gruta oculta por espessos arbustos, ela se estendia languidamente para aproveitar a paz de uma sesta para revigorar sua beleza. Foi ali que Peleu a viu, por acaso, e ficou logo enfeitiçado. Chegou a dar um passo em sua direção, mas ela simplesmente correu pela areia da praia e foi desaparecer entre as ondas verdes do mar, deixando-o atônito, infeliz para todo o sempre, condenado a amar uma mulher inatingível. Então ele resolveu aconselhar-se com o centauro Quíron, velho mestre que tinha educado a ele e a tantos outros heróis. Quando ouviu o relato de Peleu, concluiu que se tratava de Tétis.

"É uma mulher para poucos, meu filho. Até o próprio Zeus a cobiça. Agora, se realmente é essa mulher que desejas, vais ter de provar que és homem suficiente. Ela pode assumir a forma que bem entender: de serpente, de fogo, de tigresa - sendo dessa forma que ela se livra de todos os seus pretendentes. Se achas que é essa a mulher que te fará feliz, espera que ela adormeça e põe toda a tua vida num abraço definitivo. Aconteça o que acontecer, não fraquejes, e ela acabará sendo tua".

Peleu não vacilou. Foi esconder-se entre os arbustos que tapavam a entrada da caverna. Quando a nereida adormeceu ao meio-dia, ele saltou sobre ela e enlaçou-a com seus braços poderosos, puxando-a contra o peito. Ela transformou-se numa fogueira, mas ele aguentou a queimadura. Como serpente ela o picou várias vezes, mas ele não a soltou. Então ela virou uma tigresa feroz e ele defendeu-se como pode de suas garras afiadas. Por fim, vencida, ela voltou à sua forma natural, aninhando-se junto ao peito daquele que seria seu marido.

Peleu ficou muito grato à Quíron, não sabendo que o velho centauro dava o mesmo conselho a todos seus discípulos, porque toda mulher tem um pouco de Tétis: quando assustada, pode queimar e ferir, mas se o seu homem a envolver num abraço verdadeiro e absoluto, sem nada pedir ou perguntar, em pouco tempo ela voltará à forma com que o conquistou.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Pérolas da Mitologia - Ariadne e Teseu



A bela Ariadne era filha do rei Minos, monarca de Creta. Ela ficou fascinada por Teseu, quando ele foi até aquela ilha para enfrentar o Minotauro. Ela sabia muito bem o risco que ele corria. Mesmo que matasse o monstro, não conseguiria sair do labirinto, perdendo-se para sempre na trama infinita daqueles corredores escuros. Ariadne se ofereceu para ajudá-lo, desde que ele a levasse para Atenas como esposa, depois de realizada a tarefa. Teseu aceitou a oferta e a condição. Então ela lhe deu um novelo de fio mágico, que foi desenrolando sozinho até encontrarem o Minotauro. Torturada pela angústia, ela ficou aguardando lá fora, ouvindo os sons distantes da luta que se travou no interior do labirinto. Quando finalmente Teseu retornou triunfante, com a espada ensanguentada na mão, ela teve a certeza que aquele era o homem ao qual queria entregar seu coração e sua alma.

Temendo represálias do Rei, os dois fugiram no mesmo navio que trouxe Teseu à ilha. Em Naxos, já a salvos, passaram sua primeira noite de amor e Ariadne adormeceu, encantada, nos braços seguros do herói. Ao acordar, no entanto, a surpresa de sempre: ele tinha ido embora, deixando-a ali sozinha, abandonada na areia dquela praia deserta. Ela não conseguia acreditar que fossem falsas todas aquelas juras de amor, e saiu correndo, desesperada a chamá-lo, como se ele ainda estivesse por ali e pudesse escutá-la. Então subiu ao alto de um rochedo e ainda pode ver a pequena vela negra que desaparecia no horizonte. Sentiu-se perdida. Não tinha mais para onde ir e não podia voltar para Creta. Só lhe restava morrer.

Ela chorou o dia todo enquanto procurava um galho onde pudesse enforcar-se. À noitinha, vencida pelo cansaço, adormeceu na macia relva do local. No sono, Afrodite, a deusa do amor, veio trazer-lhe consolo. "Não era homem para ti, Ariadne. Eu te guardei para um deus".

E era verdade, pois durante a noite chegou à Naxos o deus Dionísio, acompanhado de seu irriquieto séquito de sátiros e bacantes. Quando Ariadne acordou, ao som alegre dos címbalos e dos pandeiros, o deus estava ajoelhado junto dela, amparando-a delicadamente em seus braços e afagando suavemente seus cabelos. Disse ele: "Princesa, não chores por um homem que foi teu só por um dia. Agora vais ter um deus como marido, e desta vez para sempre".

Sem hesitar, ela jogou ao mar as lembranças de Teseu e tratou de ser feliz, numa lição exemplar para todas as Ariadnes modernas que ainda choram na praia. Tratem de secar suas lágrimas, deixem aquela vela negra afastar-se na distância e preparem-se para a chegada do deus que vocês merecem. Pode ser que ele demore, pode ser até que ele não venha, mas não faz mal: o importante é viver plenamente a emoção que essa espera traz.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Amor Impossível


(Selene and Endymion. Teto em Ny Carlsberg Glyptotek, Copenhagen)


A lua sempre foi o encanto dos enamorados. Consta que Selene, a deusa da Lua, nunca se havia interessado por homem algum. Sua imagem pálida e solitária atravessava os céus numa rotina de pura melancolia. Numa certa época, porém, ela foi acompanhada pelos olhos sonhadores do tímido Endimion, um belo pastor da Tessália, que levava o rebanho para o alto da montanha para poder observá-la mais de perto. De tanto fazer isso, ele começou a compreender o caprichoso ciclo lunar, que era um mistério para todos. Em função disso, granjeou fama na região, chegando aos ouvidos de Selene. Esta ficou curiosa: talvez ele fosse um homem diferente, capaz de entender o ritmo de seus delicados movimentos pelo céu noturno.
Certa noite, depois de muito hesitar, ela abandonou seu curso e veio ao encontro dele. Endimion estava adormecido ao relento, no cimo do monte, e era tão sereno o seu sono e tão suave o seu semblante que o coração da virgem Selene foi invadido por uma paixão que nunca antes experimentara. Depois dessa noite, era ela que ficava perturbada quando o avistava lá de cima, porque pressentia que essa atração recíproca, cada vez mais intensa, ia fazê-la entregar-se a um homem pela primeira vez. E foi assim: uma noite, quando ele dormia numa caverna, ela deitou ao seu lado e beijou-lhe os olhos fechados, infundindo-lhe um sono mágico - ele não podia acordar mas podia perceber e sentir tudo o que estava ocorrendo. Cheia de paixão, ela o possuiu com tanto ardor que esqueceu ser a Lua, o que causou um eclipse geral que deixou o mundo todo às escuras.
Acontece que Zeus não tolerava qualquer distúrbio no cosmos e resolveu castigá-la. Mas ela, em sua defesa, alegou que tinha se apaixonado, argumento que sempre sensibilizava o Rei dos deuses.
Então ele perguntou como poderia ajudá-la a manter a sua felicidade. "Deixe Endímion escolher seu destino, pai" disse ela. Consultado, o pastor respondeu que queria dormir eternamente, sem precisar temer a morte, prolongando para sempre aquele sonho maravilhoso que tivera - "e sem nunca envelhecer", acrescentou Selene, aproveitando a boa vontade de Zeus. Endímion dorme até hoje. Dizem que todas as noites a Lua ainda vem visitá-lo, e o abraça e o cobre de beijos - ele não pode ver a linda figura prateada que se desnuda ao seu lado e se curva sobre ele, mas sente o calor de seu hálito e seus suspiros apaixonados se misturam aos dela.

Os dois parecem cristalizar o sonho de qualquer enamorado: cristalizar para sempre aquela intensa paixão dos primeiros encontros. Infelizmente isso não é possível. A Lua e o pastor estão juntos, mas irão continuar sozinhos. Não poderão conhecer uma ao outro, porque não se falam e não se olham. Não vão rir juntos, não farão projetos, nem ao menos discutirão um com o outro. Não compartilham segredos, alegrias ou tristezas, e não podem, cada noite, contar um ao outro os vestígiuos do dia, aquelas coisas tão simples sem as quais o amor não sobrevive.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

A Espera

(Ariadne, Venus e Dionisio - Tintoretto)
A bela Ariadne era filha do rei Minos, monarca de Creta. Ela ficou fascinada por Teseu, quando ele foi até aquela ilha para enfrentar o Minotauro. Ela sabia muito bem o risco que ele corria. Mesmo que matasse o monstro, não conseguiria sair do labirinto, perdendo-se para sempre na trama infinita daqueles corredores escuros. Ariadne se ofereceu para ajudá-lo, desde que ele a levasse para Atenas como esposa, depois de realizada a tarefa. Teseu aceito a oferta e a condição. Então ela lhe deu um novelo de fio mágico, que foi desenrolando sozinho até encontrarem o Minotauro. Torturada pela angústia, ela ficou aguardando lá fora, ouvindo os sons distantes da luta que se travou no interior do labirinto. Quando finalmente Teseu retornou triunfante, com a espada ensanguentada na mão, ele teve a certez que aquele era o homem ao qual queria entregar seu coração e sua alma.
Temendo represálias do Rei, os dois fugiram no mesmo navio que trouxe Teseu à ilha. Em Naxos, já a salvos, passaram sua primeira noite de amor, e Ariadne adormeceu, encantada, nos braços seguros do herói. Ao acordar, no entanto, a surpresa de sempre: ele tinha ido embora, deixando-a ali sozinha, abandonada na areia dquela praia deserta. Ela não conseguia acreditar que fossem falsas todas aquelas juras de amor, e saiu correndo, desesperada a chmá-lo, como se ele ainda estivesse por ali e escutá-la. Então subiu ao alto de um rochedo e ainda pode ver a pequina vela negra que desaparecia no horizonte. Sentiu-se perdida. Não tinha mais para onde ir, e não podia voltar para Creta. Só lhe restava morrer.

Ela chorou o dia todo enquanto procurava um galho onde pudesse enforcar-se. À noitinha, vencida pelo cansaço, adormeceu na macia relva do local. No sono, Afrodite, a deusa do amor, veio trazer-lhe consolo. "Não era homem para ti, Ariadne. Eu te guardei para um deus".

E era verdade, pois durante a noite chegou à Naxos o deus Dionísio, acompanhado de seu irriquieto séquito de sátiros e bacantes. Quando Ariadne acordou, ao som alegre dos címbalos e dos pandeiros, o deus estava ajoelhado junto dela, amparando-a delicadamente em seus braços e afagando suavemente seus cabelos. Disse ele: "Princesa, não chores por um homem que foi teu só por um dia. Agora vais ter um deus como marido, e desta vez para sempre".

Sem hesitar, ela jogou ao mar as lembranças de Teseu e tratou de ser feliz, numa lição exemplar para todas as Ariadnes modernas que ainda choram na praia. Tratem de secar suas lágrimas, deixem aquela vela negra afastar-se na distância e preparem-se para a chegada do deus que vocês merecem. Pode ser que ele demore, pode ser até que ele não venha, mas não faz mal: o importante é viver plenamente a emoção que essa espera traz.

domingo, 20 de setembro de 2009

O Triunfo do Amor

(O Julgamento de Paris - Museu Capitolino - Roma)

Os gregos contavam que a Guerra de Tróia começou num concurso de beleza entre as deusas do Olimpo. Deuses e homens divertiam-se numa alegre festa de casamento, quando Éris, a deusa da discórdia, que não havia sido convidada exatamente por causa da sua fama, fez rolar no salão uma maçã de ouro na qual estavam gravadas tres palavras: "À mais bela". Bastou isso para provocar uma discussão generalizada entre os convivas daquela festa, ao fim da qual restaram apenas três candidatas: Atena, Hera e Afrodite. Então, elas foram pedir a Zeus que desempatasse a disputa.
Zeus, o rei dos deuses, era astuto demais para cair em tamanha armadilha. Alegou que não poderia interferir naquele certame que tinha como interessadas sua mulher e sua filha. Então, ordenou que procurassem Paris, jovem e belo pastor troiano, para que ele decidisse a quem caberia o troféu.
Paris, sozinho no monte Ida apacentando seu rebanho, subitamente viu chegarem aquelas três maravilhosas mulheres, e ficou sabendo que Zeus o encarregara de escolher a mais bela. Percebendo que a decisão, seja qual fosse, lhe traria duas poderosas inimigas, Paris tentou se esquivar daquela perigosa honra que invertia a ordem do universo, pois são os deuses que devem julgar os mortais. Mas uma ordem de Zeus não podia ser contestada.
Percebendo a hesitação do jovem, as três deusas, que também eram mulheres, tentaram seduzi-lo com promessas. Hera lhe oferece o poder absoluto sobre a Ásia e a Europa. Atena disse que lhe daria toda a sabedoria passada e futura. Afrodite, por sua vez, se limita a oferecer o amor de Helena, rainha de Esparta e a mais bela mulher do mundo. Como sabemos, Paris escolheu ficar com Helena, que se tornou o pivô da Guerra de Tróia, atraindo sobre si e sobre todos os troianos o ódio e a perseguição implacável das duas deusas preteridas.
Nunca concordaremos sobre o significado dessa estória. Para uns ela representa o triunfo do amor sobre a sede de fama e poder. Para outros significa que o homem está condenado a sempre escolher, inutilmente, porque de um jeito ou de outro, vai acabar vítima das forças que desprezou. Uma terceira corrente, enfim, entende que ela apenas retrata aquele momento pungente em que nos defrontamos com o mistério da beleza, naquele ponto indefinível no qual os filósofos se calam e os poetas começam a cantar.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O Dito e o não Dito

(Narciso - Caravaggio)

Aconteceu que Eco era uma ninfa tagarela que vivia despreocupadamente nos verdes campos da Arcádia, até que o imprevisível destino a colocou no caminho de Hera. Zeus, namorador incurável, costumava descer do Olimpo até as encostas dos montes para divertir-se com as jovens e sedutoras ninfas. Hera, esposa ciumenta e vigilante, desconfiava dessas ´descidas periódicas de seu esposo e começou a segui-lo. Várias vezes esteve a ponto de surpreendê-lo, mas Eco sempre conseguiu desviá-la com sua conversa astuciosa, permitindo que Zeus retornasse às escondidas para o Olimpo. Quando Hera descobriu o que fazia Eco, castigou-a exemplarmente: retirou-lhe o poder da língua e deu-lhe sempre a última palavra, mas nunca a primeira. A partir de então, Eco não pode mais falar com ninguém, condenada a repetir apenas as últimas palavras que lhe dirigiam.


Foi assim, quase muda, que Eco se apaixonou pelo belo Narciso, que despertava o amor de todos que o viam, mas ele amava somente a si mesmo. Como Eco não podia falar com ele, começou a segui-lo por toda a floresta, onde ele vivia caçando com os amigos. Quanto mais o seguia, mais apaixonada ficava. Um dia ela o encontrou sozinho no meio de um espesso bosque. Seu coração transbordava de sentimentos que não podia expressar. Queria chamar o nome dele, declarar seu amor, dizer-lhe palavras meigas, mas não podia fazer isso. Então se pôs a suspirar e gemer com tamanho desespero que Narciso percebeu. Assustado, voltou-se para o verde impenetrável da floresta e perguntou quem estava ali. "Ali, ali, ali", respondeu ela entusiasmada. " Mas porque todo esse clamor?" "Amor, amor, amor", Eco respondeu. "Sofres tanto assim?". "Sim, sim, sim" era a resposta. "Venha, vamos caçar juntos", convidou Narciso. "Juntos, juntos, juntos", respondeu ela encantada com o que tinha conseguido dizer e, não mais se contendo, surgiu do meio da mata correndo para ele com os braços estendidos. Narciso, porém, repeliu-a como fazia com todas as outras, e fugiu, enojado de seus beijos.

Diante dessa repulsa, trêmula de vergonha, desapareceu por entre as folhagens, indo esconder-se no fundo das grutas e dos desfiladeiros, sufocada por uma tristeza infinita. Eco não sobreviveu. Seu corpo, sua pele, o brilho de seus olhos, tudo nela foi desaparecendo, ficando apenas os seus ossos e sua voz, segundo dizem, espalhados por cavernas e penhascos solitários. Ainda hoje é ela que, ao longe, nos responde quando gritamos alguma coisa em sua direção.

Mas, de certa forma Eco triunfou sobre Hera, que tentou encerrá-la na prisão insurpotável do silêncio e do não-dito. Com pedaços de palavras e restos de sílabas, ela conseguiu declarar seu amor por Narciso, e a sua voz ainda persiste, ecoando na paisagem, a nos lembrar que a verdadeira tortura é não dizer o que sentimos.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O Avesso do Bordado

O rei da Tessália, o jovem Admeto, tratava muito bem os súditos e aqueles que trabalhavam para ele. Foi sua sorte pois, sem que soubesse, o deus Apolo tomou lugar entre seus empregados. O deus ficou tão admirado com o bom tratamento que o rei lhe dispensava e aos demais, que resolveu recompensar aquela bondade toda, tornando-se seu protetor. Primeiro, ajudou Admeto a desposar a bela Alceste, princesa cuja mão era disputada por outros reis mais poderosos do que ele. Depois, prometeu-lhe que, quando chegasse sua hora de morrer, ele teria uma segunda chance neste mundo, podendo viver o mesmo número de anos que já tivesse vivido.
Admeto e Alceste experimentaram por alguns anos, as alegrias de um matrimônio feliz. Tiveram um casal de filhos que foram recebidos com grande júbilo pelos súditos, que idolatravam o casal real. Então, Admeto adoeceu repentinamente, tomado por uma enfermidade que parecia não ter cura. Pressentindo que ia morrer, invocou seu protetor Apolo. O deus o tranquiliozou, dizendo que a promessa estava de pé,
tudo estava acertado com a Morte. Esta, no entanto, exigia uma compensação: ela pouparia Admeto se alguém se oferecesse para morrer no lugar dele. Como era um rei muito benquisto, acharam que não haveria problema em satisfazer aquela condição.
Mas Apolo enganou-se: ninguém quis assumir o lugar do pobre rei enfermo, nem mesmo seu pai e sua mãe, que já eram bem velhinhos. Ao saber disso, a doce Alceste aprresentou-se como voluntária, alegando que não poderia mesmo, continuar vivendo depois que o marido morresse. Admeto chorou de gratidão, e suas lágrimas se misturaram com as dela, numa tocante cerimônia de adeus, que a Morte interrompeu, para levar a raínha. Quando o pai veio lhe dar os pesâmes, Admeto inconsolável, investiu contra ele acusando-o de egoista e insensível. O velho retrucou dizendo que gostava muito da vida para desperdiçar o pouco que lhe restava, e que egoista era ele e, ainda por cima covarde - por ter se deixado substituir pela mulher.
Aconteceu, na versão escrita por Eurípedes, que o invensível Hércules, que era amigo do casal, enfrentou corajosamente a Morte e conseguiu trazer a raínha de volta. Aquele desfecho surpreendente teria sido um final feliz? Eurípedes encerrou sua peça com uma nota perturbadora: Admeto ficou radiante, mas Alceste não emitiu umsa só palavra ao se reencontrar com o marido.
Uns dizem que ela estava muda de espanto com o que tinha visto no outro mundo. Sem dúvida era espanto, mas o motivo era bem outro: ao passar para o outro mundo, pode ver, pela vez primeira, o avesso de nossas vidas, e tinha compreendido que o amor e a morte, a generosidade e o egoismo, a coragem e a covardia se entrelaçam, inseparáveis, para formarem essa figura complexa, rica e imperfeita que é todo e qualquer ser humano.

sábado, 5 de setembro de 2009

Ganhar e Perder

(Odisses e as Sereias - John William Waterhouse)

Terminada a Guerra de Tróia, o herói Ulisses levaria mais de dez anos para chegar à Ítaca, sua terra natal, onde Penélope, sua esposa, ainda o aguardava. Naquele longo caminho de volta, tudo parecia conspirar contra o seu retorno ao lar. Obrigado a parar em ilhas desconhecidas, Ulisses foi enfrentando um perigo após o outro. Tempestades terríveis, povos selvagens e seres monstruosos foram destruindo seus navios e dizimando seus companheiros, até que, no último naufrágio, foi lançado numa costa desconhecida, junto à boca de um rio, quase morto de exaustão. Cauteloso, arrastou-se para dentro de um arbusto, onde adormeceu em seguida. A preocupação era desnecessária, porque agora ele estava na terra dos feácios, povo próspero e pacífico que iria acolhê-lo muito bem.
O perigo era Nausica, a graciosa filha do rei. Em sonho, uma deusa lhe apareceu avisando que estivesse preparada para casar-se quando aparecesse o homem certo. Assim, quando acordou, reuniu suas aias e levou seu enxoval, num carro de bois, até o rio para arejá-lo. Enquanto as roupas secavam ao sol, elas se divertiam alegremente e seus gritos despertaram Ulisses. Ao vê-las tão inofensivas, cobriu sua nudez com galhos e deixou o arbusto. Com os cabelos e o corpo cobertos de sal, êle ostentava uma aparência assustadora. . Todas correram a fugir dele, menos Nausica, que manteve sua dignidade de princesa se quedando ali. Então, foi a ela que Ulisses se dirigiu, com palavras escolhidas que caiam suavemente como flocos de neve: comparou-a a uma jovem palmeira verdejante de incomparável beleza, que um dia contemplara com espanto junto ao templo de Apolo, e implorou sua proteção. Impressionada, a jovem mandou que lhe dessem roupas novas e óleo para banhar-se. Quando Ulisses voltou do rio, ela admirou a nobreza de seus traços e imaginou que era ele o homem ao qual a deusa se referiu em sonho. Antes de chegarem ao palácio, ela já o estava amando.
Os feácios exultaram ao saberem que ali estava Ulisses, um dos heróis de Tróia. O rei Alcino ofereceu-lhe a mão de Nausica e, com ela, o futuro poder sôbre toda aquela gente rica e feliz. A tentação dessa oferta fez Ulisses vacilar. Mas, como sabemos, ele preferiu voltar para Penélope. Na hora de partir, numa despedida tocante, Nausica lançou-lhe um olhar apaixonado e pediu, bela como uma jovem deusa, que nunca mais a esquecesse. Ulisses, tomado pela emoção, prometeu que pensaria nela enquanto fosse vivo. Disse e virou-lhe as costas para não ver mais aquele rosto suplicante, cheio de promessas maravilhosas.
A tristeza que o invadia era velha conhecida, pois vinha da dor que sentimos pela perda irreparável que se esconde em cada escolha que fazemos. Deixava Nausica para sempre, é verdade, mas em nome de um amor que o tinha mantido vivo ao longo de tantos anos. Agora, ia voltar para Ítaca e reencontrar sua mulher.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A Estátua que Canta


A estátua de Moisés, famosa escultura de Michelangelo, não lhe respondeu quando ele, impressionado com a perfeição da sua própria obra, teria batido com o cinzel no joelho da mesma e dito: "Fala". Ela não respondeu - mas poderia. Afinal, quinze séculos antes disso, ilustres figuras e curiosos de todos os tipos, visitavam o Colosso de Memnon, famosa estátua do antigo Egito, só para ouvi-la cantar. Talhada em pedra escura, aquela estátua ficava no famoso Vale dos Reis, próximo do Rio Nilo. Como estava voltada para leste, ela recebia em pleno rosto, os primeiros raios de sol da manhã. Cerca de uma hora após o nascer do sol, ela soltava um som vibrante, pungente como o romper de uma corda da lira. O famoso imperador romano Adriano, e sua esposa Sabina, estiveram lá, como atesta o pedestal que ele mandou gravar com as palavras "audi Memnonem" - "Eu ouvi Memnon".
Avariada por um terremoto, a estátua foi restaurada no Século III, porém emudeceu. A razão física daquele som e a posterior perda do mesmo não vem ao caso. Paras os antigos só podia ser coisa dos deuses. Para uns, era o filho da Aurora, Memnon, morto na flor da idade, que se queixava cada vez que via sua mãe pintar o céu com seus tons de rosa. Para outros , era Apolo, o deus do Sol, que devolvia a saudação da estátuta com uma onda de energia irradiante.
Fosse lá o que fosse, existe nessa estória uma metáfora antiga sobre o papel masculino que Michelangelo não podia entender: seja estátua, seja mulher, não é batendo nela que a faremos falar. Nem com uma ordem ou comando. Também não com império e poder. A mulher precisa receber em cheio um olhar que a ilumine, que aqueça sua alma e a faça desabrochar, como os raios de sol do Egito. Ela é assim desde menina, quando cabe ao olhar do pai mostrar-lhe o quanto ela é afortunada por ter nascido mulher. Depois, é nos olhos de seu homem que ela precisa colher essa luz inconfundível que vai, muito mais do que o espelho, convencê-la de que ela é bela e desejável. Se ela for tratada assim, nunca vai deixar de falar. Com sorte, é até possível que cante.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Pérolas da Mitologia - Órgão Sexual


A mitologia conta que o grande senhor do Olimpo, Zeus, costumava disfarçar-se em algum animal para perpetrar suas conquistas amorosas. No entanto, isso não aconteceu com Alcmena, que seria a mãe de Hércules, como fruto de sua união com Zeus. Com ela, ele agiu diferente. Ela era esposa do digno Anfitrião, general tebano que tinha se afastado de casa por razões de guerra. Quando o general voltava para casa, depois de vencidos os combates, o ardiloso Zeus assumiu sua aparência e se apresentou a Alcmena, que nada desconfiou. Recebeu o impostor como se fosse o marido e sufocou-o com seus beijos e abraços. Como Zeus queria tranquilidade para desfrutar a sua nova conquista, mandou que Hélios, o deus do sol, ficasse dois dias sem aparecer e mandou Hipnos, o deus do sono, deixar o mundo dormindo todo esse tempo, propiciando ao senhor do Olimpo uma longa noite nos braços de Alcmena. Quando o verdadeiro Anfitrião chegou em casa, estranhou muito que sua mulher não quisesse saber detalhes da sua viagem nem estivesse disposta a recebe-lo no leito, alegando que assim já era demais. Desconfiado, Anfitrião consultou o adivinho Tirésias, que lhe revelou que Zeus tinha honrado seu lar com uma visita pessoal.

Tal engano com o parceiro, ainda que pareça improvável, tem sido aproveitado por muitos autores, e, no cinema, já foi utilizado dezenas de vezes. Ora, como não perceber que o outro é um impostor? Afinal, não é na cama que tudo fica desvendado? Quanto a isso, parece que existem opiniões bem diferentes. Para uns, é ali mesmo, na fulgurante luz do sexo, que aparece a verdade, quando as ilusões que encobriam nosso parceiro se dissipam durante a noite, fazendo-nos despertar ao lado da realidade. Quantas Alcmenas foram dormir com um deus e acordaram com um animal? Poucas tiveram a felicidade de fazer o caminho inverso, mas essas não conhecemos, pois elas procuram não comentar, para não despertar inveja. Para outros, no entanto, é na cama que mais nos iludimos, mentindo sobre nós mesmos e sobre o nosso parceiro, e não somos capazes de saber, no escuro, quem é o impostor: se eu, se ele ou se ambos. Para outros mais, enfim, talvez os mais espertos, há locais mais adequados do que a cama para buscar a verdade, pois ali é o lugar privilegiado onde se une a realidade da pele com a criatividade e a fantasia do cérebro, nosso órgão sexual por excelência.

Pérolas da Mitologia - Amor Verdadeiro


Uma das mais belas e tristes histórias de amor da antiguidade envolve Demofonte, que ao voltar da Guerra de Tróia, parou o seu navio no pequeno reino da Trácia, onde conheceu Filis, a bela filha do rei. Eles se enamoraram no momento em que se viram. Vendo os jovens assim tão apaixonados, o rei consentiu no casamento, instituindo o futuro genro como herdeiro de seu trono. Antes do casamento, Demofonte explicou que precisava fazer uma breve visita a seu pai, em Atenas, afinal não o via há muitos anos, desde que partira para a guerra. Rogou pela compreensão de Filis, jurando por tudo que estaria de volta em quatro meses, para viver para sempre ao lado da amada.
Depois de ver a lua cheia brilhar por quatro vezes, Filis começou a contar os dias e as horas, como só os apaixonados sabem contar. Vivia junto a praia, observando o horizonte, e várias vezes se iludiu julgando ter avistado ao longe, as velas brancas do navio de Demofonte. Ele não aparecia e ela inventava mil desculpas para sua demora: talvez o pai o tivesse retido por mais tempo ao seu lado, ou algo de ruim tivesse acontecido no caminho - e ficava arrependida só de pensar nisso. Então corria a pedir aos deuses que o protegessem. Mas, na medida em que o tempo passava em branco, suas esperanças diminuíam, e, aos poucos, começou a ser dominada pelos fantasmas de sempre: talvez tinha sido enganada por palavras doces, seduzida e abandonada! Eram falsas as juras dele, como eram falsas as lágrimas que ele tinha derramado ao partir. Talvez nem, se lembrasse mais dela e, a essa hora, poderia ter encontrado outro amor e até já estar casado.
Tomada pelo desespero, não suportou mais o sofrimento e resolveu se enforcar, e assim teria feito, se os deuses, apiedando-se dela, não a tivessem transformado numa triste amendoeira. Quando Demofonte, que se atrasou contra sua vontade, finalmente regressou três meses mais tarde, só lhe restou abraçar-se a árvore, reafirmando entre soluços, o amor que sentia por Fílis. Nesse instante a amoreira ficou coberta por delicadas flores, que deviam estar ali, aguardando apenas que um abraço apaixonado como aquele lhe desse a força e a seiva de que precisavam para desabrocharem.

Afinal, esse é o grande prodígio de um amor verdadeiro: ele nos torna mais vivos e mais floridos, ele nos devolve qualidades que julgávamos ter perdido e nos faz descobrir, com surpresa, que tínhamos outras qualidades de que sequer suspeitávamos.

domingo, 23 de agosto de 2009

Grécia - A Vida la Fora

(Busto de Aristóteles - Museu do Louvre, Paris)
O extraordinário filósofo Aristóteles foi tutor e professor do lendário Alexandre Magno. Daquela relação tão ilustre, contada de muitas diferentes maneiras, tantas que já não se sabe o que aconteceu de verdade e o que é fantasia. É o caso de uma estorieta picante que alcançou grande sucesso na Europa medieval.
Consta que Aristóteles um dia cometeu a besteira de sugerir a Alexandre que se afastasse de sua belíssima namorada Fílis, para se concentrar mais nos estudos. Alexandre ficou aborrecido e contou para ela o que seu mestre pedira. Então Fílis resolveu agir. No dia seguinte, como sempre fazia, ao raiar do dia, Aristóteles já estava estudando na biblioteca do castelo, quando ouviu, por uma janela que dava para o jardim, a linda voz de Fílis, que cantava despreocupadamente. Ao se aproximar da janela da biblioteca que ficava no térreo, avistou a moça que passeava com os pés nus na relva úmida, os cabelos ainda molhados do banho, com a túnica desamarrada na cintura, entreabindo-se a cada passo que dava. Dizem que Aristóteles perdeu a compostura , mandou a filosofia às urtigas e quase se precipitou janela afora, completamente enfeitiçado por aquela figura sedutora. Pediu que ela se aproximasse e implorou que ela se entregasse a ele, nem que fosse uma só vez. Ela disse que somente faria isso em troca de um pequeno favor, que seria mais um capricho da parte dela: ele tinha que se por de quatro no jardim e deixar ela montar em suas costas, como se ele fosse um cavalo mansinho. Em menos tempo em que se diria o nome dele, o mestre já estava lá fora em posição de monta. A moça colocou-lha na boca um freio de seda vermelho, cavalgando-o pelo jardim, fazendo evoluções entre os canteiros, enquanto entoava uma canção de triunfo. Era a deixa para Alexandre abrir sua janela e simular uma escandalizada surpresa diante do que via: "Mas mestre, com o pode ser isso?" Aristóteles, apanhado no flagrante, ainda tentou usar a cena para dar mais uma lição a seu pupilo: se ele, sábio e experiente, tinha se tornado um simples joguete nas mãos daquela mulher, o que se poderia esperar de um jovem impetuoso como Alexandre.

Apesar de pouco verossímel, essa estória contém alguma coisa que até hoje nos encanta. Em parte, pelo secreto prazer de ver o mundo virado do avesso, como o grande mestre de Alexandre reduzido a uma cavalgadura. Em parte, também, é a confirmação maliciosa de que a mulher e a natureza, juntas, constituem a força que governa o planeta.

Árabes - Jogos de Xadrez


A estorieta abaixo não foi extraída da mitologia grega, sendo um produto já da nossa era, mas se encaixa perfeitamente no espírito daquelas que temos apresentado, focalizando também a velha questão de gênero entre homens e mulheres.

Os árabes ao ocuparem a Espanha no século XVIII e trouxeram consigo o jogo de xadrez, apreendido por eles em algum lugar do oriente. Aquele jogo logo se difundiu por todo o continente, conquistando até jogadores improváveis como os truculentos viquingues. Como sabemos, o jogo consiste num tabuleiro de 64 casas, dois exércitos completos, com seus reis, rainhas, cavaleiros e peões, que se confrontam a cada partida sob a batuta dos jogadores.
Antes um pouco, lá pelo século XVII, havia surgido na Espanha o jogo de damas, que alguns enxadristas desdenhosos, chamaram de "xadrez das mulheres", cometendo um preconceituoso erro de avaliação, pois o jogo de dama nunca pretendeu ser um substituto ou simplificação do jogo de xadrez. As peças são diferentes, seus movimentos são diferentes e as regras são completamente diferentes. Apenas o tabuleiro é o mesmo. Esse detalhe criou um inevitável vínculo entre aqueles jogos tão diferentes, inclusive na maneira de comercializá-los. Nos natais de nossa infância eles sempre vinham juntos, numa espécie de dois-em-um, com as peças de um e outro misturadas na mesma caixa.
Muitos anos depois daqueles natais, começo a desconfiar que essa pode ser uma maneira esclarecedora de como homens e mulheres se relacionam. Ambos se encontram diante do mesmo tabuleiro, mas ele está jogando xadrez, enquanto ela joga damas. Dessa forma, pouco vai adiantar que ambos se esforcem para que a vida em comum dê certo. Tudo será em vão: como pensam que estão jogando o mesmo jogo, nenhum dos dois consegue compreender os movimentos que o outro faz - seja no orçamento doméstico, na educação dos filhos, na sexualidade ou no trabalho. Ele então a acusa de não saber jogar, lamentando que ela jogue tão mal, e a vida deles passa a ser um inferno.
A solução é simples, mas difícil de por em prática: os poucos casais felizes com a união procuram se observar com interesse e respeito mútuo, estudando o jogo de seu parceiro e divertindo-se com as diferenças. Um deve procurar aprender as regras do outro, não para segui-las, mas para entender, finalmente, que é natural que existam muitos pontos importantes sobre os quais os dois nunca irão concordar e que, sendo jogos distintos, nunca haverá vencedor - apenas o prazer de jogar.

sábado, 22 de agosto de 2009

Grécia - O Verdadeiro Herói

(Leonidas nas Termopilas - Jacques-Louis David Museu do Louvre, Paris)
Os gregos que lutaram na batalha das Termópilas foram verdadeiros heróis. Ali um punhado de espartanos atrasou o avanço do gigantesco exército persa o suficiente para que as forças de toda a Grécia pudessem se arregimentar. O inimigo era Xerxes, filho de Dario, trazendo um exército tão fabuloso que os homens da retaguarda precisavam marchar cinco dias para reunirem-se aos que já tinham chegado. A lenda fala em um milhão de homens, mas os historiadores reduzem para 250.000 soldados. À sua frente, num estreito desfiladeiro junto à costa, Leônidas de Esparta, os aguardava no comando de 300 homens, que ele escolhera entre os jovens que já tinham um filho varão, sabendo que lutariam até a morte para garantir a glória eterna para os seus descendentes.
Xerxes esperava que os gregos desistiriam ao ver seu poderio. No entanto, um espião persa conseguiu observar secretamente o desfiladeiro e voltou com a perturbadora notícia que alguns espartanos faziam exercícios físicos enquanto outros lavavam e prendiam cuidadosamente os cabelos. Um grego que lhe ajudava sentenciou: "Senhor, aqueles lá vão morrer lutando, pois eles sempre se penteiam com apuro na véspera de uma grande empreitada". E não deu outra. No raiar do dia seguinte os adivinhos anunciaram para Leônidas que o destino dos gregos estava traçado. No combate do primeiro dia, ondas e ondas de soldados persas, impelidos a golpes de chicote, avançaram em vão contra a muralha humana que guardava o desfiladeiro, fazendo Xerxes compreender que seu exército tinha muito mais soldados mas muito menos homens que o oponente. Os gregos resistiram mais dois dias, até que os persas, guiados por um traidor chamado Efialtes, contornaram o desfiladeiro e atacaram por trás, exterminando os poucos sobreviventes, em cujo túmulo o poeta Simônides escreveu: "Estranho, vá dizer aos espartanos que nós jazemos aqui, obedecendo às suas ordens".

Vinte séculos depois, nos desfiladeiros modernos, o heroísmo ainda consiste nessa perseverança, nesse denodo, nessa insistente determinação de cumprir com o dever que a própria vida nos impõe, mesmo sabendo que, muitas vezes, essa luta pode ser em vão e que, mais cedo ou mais tarde, persas e traidores podem nos derrotar. Isso não importa pois, herói é quem pode dizer, como o velho marinheiro que dirigia Posêidon durante uma tempestade: "Ó deus dos mares, tu podes me poupar, se quiseres, ou podes me destruir, mas seja qual for tua decisão, vais me encontrar com o braço firme no leme deste navio".

Pérolas da Mitologia - A Verdade é um Perigo

(Apolo e a Píton - Museu Britânico, Londres)
Ninguém gosta de receber más notícias, nem mesmo os deuses. Apolo, o deus dos oráculos, devia saber melhor do que ninguém o quanto a verdade pode doer. Ele amava Corones, uma jovem princesa de Tessália, mas ela gostava de outro, um simples mortal, com que se encontrava às escondidas. Desconfiado, Apolo mandou o corvo, um de seus auxiliares alados, vigiar de perto a faceira princesinha. Pobre corvo. Quando veio relatar os encontros furtivos de Corones, Apolo ficou furioso e resolveu castigá-lo, mudando a cor de suas asas, branca como a neve, para o preto que os corvos usam até hoje.
Muitos reis e tiranos do passado agiram como Apolo, punindo o mensageiro por causa do teor da mensagem. Plutarco conta que, durante a campanha do comandante romano Lúculo, contra alguns reinos da Ásia, quando sua legião entrou na Armênia, os postos avançados desta mandaram avisar ao rei local que as forças romanas se aproximavam. O rei Tigranes ficou tão enfurecido que mandou decapitar o mensageiro, fazendo com que, a partir daí, ninguém ousou contar-lh coisa alguma. Enquanto os romanos apertavam o cerco, Tigranes continuava inerte, sem ter a menor idéia do que estava acontecendo, ouvindo apenas a voz de seus bajuladores, que lhe diziam que Lúculo já devia estar voltando para Roma, atemorizado com a força do exército romeno - até que o amigo favorito do rei tomou coragem para anunciar-lhe que a derrota era iminente, como de fato aconteceu.
Pior fez Côtis, um certo rei da Trácia, dissoluto e beberrão, que meteu na cabeça que haveria de passar uma noite de amor com a deusa Atena, uma das deusas virgens do Olimpo. Para uma ocasião tão importante, preparou um banquete numa mesa luxuosíssima, numa alcova ricamente decorada, no centro da qual dispôs uma cama com lençóis e travesseiros dignos da ilustre convidada. Depois de tudo preparado, Côtis se pôs a beber vinho, aguardando a chegada de Atena. Como o tempo passasse e nada da deusa aparecer, mandou um guarde verificar se ela não tinha se perdido nos corredores do palácio. Quando o guardo retornou dizendo que não havia ninguém, o rei o matou ali mesmo.
Mais tempo se passou e Côtis mandou um segundo guarda, e a cena se repetiu. Quando mandou o terceiro guarda, este, apavorado com o que acontecera com seus colegas, voltou dizendo que a deusa estava chegando ao palácio, pois sofrera um pequeno atraso, dito o quê, fugiu para o mais longe possível.

Dessas três estórias, tiramos pelo menos duas lições: se fores o destinatário, nada que fizeres poderá alterar o conteúdo da mensagem. Mas se fores o mensageiro, lembra-te do antigo provérbio árabe: quando fores dizer a verdade, deixa o teu cavalo pronto e fique com um pé no estribo.

Pérolas da Mitologia - A Estrada de Atenas

(As façanhas de Teseu, Museu Britânico, Londres)
Teseu era pouco mais que adolescente quando soube que era filho do rei de Atenas. Despediu-se, então, da mãe e do avô, com os quais vivia, dizendo-lhes que precisava conhecer seu pai. A mãe, que já esperava por esse dia, recomendou-lhe que viajasse pelo mar, pois o caminho terrestre para Atenas era cheio de bandidos sanguinários. Porém, o jovem Teseu, que muito admirava Hércules, que no passado muito havia se confrontado com aqueles bandidos, recusou a indigna segurança do mar e preferiu lançar-se pela estrada afora, resolvido a não fazer mal a quem quer que fosse, mas se defenderia contra os que tomassem a iniciativa da violência.
Ora, assim que inicou o percurso já se defrontou com o cruel Perifetes, que costumava esmigalhar o crânio dos infelizes com uma clava de bronze. Teseu o desarmou e aplicou-lhe na testa um golpe com aquela arma terrível, adotando-a para si. Em seguida foi a vez do do gigantesco Sínis, que se divertia em amarrar os pés da vítima a dois pinheiros vergados até o chão, para em seguida soltá-los de chofre, rasgando-a em dois pedaços. Depois foi Círon, cujos pés os viajantes eram obrigados a lavar tremendo de pavor, enquanto ele os empurrava pela borda do penhasco até o mar, onde eram devorados por uma tartaruga gigantesca. Mais adiante foi Procusto, sinistro estalajadeiro que amarrava os hóspedes durante o sono para adequá-los ao tamanho do leito: os que eram menor do que a cama, ele os estirava com cordas e roldanas; quando eram maiores, ele cortava as partes excedentes a golpes de machado. Teseu foi implacável com eles, submetendo cada um à tortura que infligia às vítimas.

Ali Teseu inicou sua carreira de sábio governante, defensor do bem e da justiça. Sabia que amar seu semelhante nunca significou inocentá-lo de seus crimes, atribuindo toda a culpa ao mundo ao seu redor. Conhecendo bem demais o lado escuro da natureza humana, não acreditava que o mal seria um dia extirpado, quando a sociedade fosse melhor. O mal está lá, onde sempre esteve, à nossa espreita, nas curvas dessa longa estrada da vida, e nosso dever é enfrentá-lo.

Pérolas da Mitologia - Momento Mágico

(Afrodite de Knidos, Praxiteles - Museu do Vaticano - Galeria das estátuas)
Frinéia, uma simples cortesã, galgou a galeria dos personagens inesquecíveis do antigo mundo grego, ao lado de filósofos, poetas e grandes estadistas. Ela era especial, pois, ao contrário das outras, que passeavam com túnicas transparentes para mostrar os detalhes do corpo, Frinéia usava um manto comum para manter sua beleza escondida dos olhares indiscretos. A ninguém, a não ser para os íntimos, mostrava seus braços ou seus ombros magníficos, e jamais frequentou os banhos públicos, hábito tão em voga naquela época. Mas um dia, durante as grandes festas dedicadas a Posêidon, diante de milhares de participantes vindos de todos os pontos da Grécia, ela avançou no meio da multidão reunida junto à praia e ali, no ponto em que o mar encontra a areia, sem dizer palavra, deixou cair o manto a seus pés e entrou lentamente na água, completamente nua, a não ser pelos longos cabelos soltos que caiam até os quadris. Entre os espectadores maravilhados, estava Praxíteles, o mestre escultor de Atenas, que imortalizou aquela visão quase divina ao trasnspor as formas de Frinéia para o mármore polido da famosa estátua de Afrodite, tornando-se o primeiro escultor a desnudar completamente o corpo da mulher.
Antes dele, tanto as deusas como as simples mortais apareciam sempre vestidas e os artistas mais ousados se limitavam a representá-las usando vestes molhadas, coladas ao corpo, para realçar suas formas. Praxíteles, com sua Afrodite, inspirado em Frinéia, fixou o modelo quase definitivo de nu feminino na arte ocidental, o da vênus pudica, ou seja, da mulher que tenta esconder sua nudez ao ser surpreendida sem roupa. Mais tarde, numa variante do que fez o escultor, encontramos no "Nascimento de Vênus", do pintor Boticelli, em que Vênus(como Afrodite era chamada pelos romanos), cruza um braço à sua frente para ocultar os seios, enquanto mantém o outro baixo, de modo a deixar sua mão escondendo o púbis, numa atitude que, como se vê, atrai nosso olhar exatamente para os pontos que estão sendo escondidos.
Não foi por acaso que a posteridade elegeu a Afrodite de Praxíteles como o símbolo do pudor, esse ingrediente indispensável para existir o erotismo. Afinal, ela era a deusa do amor e devia entender muito bem que sem a luz não existe sombra, e que, sem esse jogo tão feminino de esconder o que depois vai mostrar, todos nós - homens e mulheres - não conheceríamos aquele momento mágico de transgressão e de vertigem em que o manto de Frinéia finalmente cai no chão.